Hoje cheguei, liguei para o colega, expliquei que a vaga está aberta, e me ofereci para marcar uma conversa informal entre ele e o meu diretor direto. Acho que esse é o meio-termo, uma ajuda light e educada.
Deixem eu explicar uma coisa. Para a maioria das pessoas, meu marido inclusive, a tal crise é uma coisa que acontece lá na televisão, quiçá seja uma fabricação maligna da CNN. Ali, ouve-se todos os dias que A, B e C estão demitindo, que a DOW está X pontos negativos, que as ações de tal empresona cairam X por cento.
Para alguns, a crise parece estar tão longe, mas tãããão longe, que a pessoa fica até felizinha dos juros variáveis da hipoteca estarem baixos, das ofertas do supermercado terem diminuido as contas do mês, assim sobre dindin praquela Plasma, ou pra uma viagem supimpa prum resort na praia.
A minha crise entretanto, começa no minuto que eu piso na minha empresa, e não me larga até tarde da noite, quando eu vejo as mesmas notícias que vocês na CNN.
Faliu o fornecedor de tetos, pânico pra achar outro fornecedor, trabalho dobrado, as coisas entrando nos eixos. Para mim situação mais ou menos sobre controle, mas para os 300 funcionários ingleses que acordaram um dia sem emprego e sem benefícios de "pacote de demissão", as dificuldades estão apenas começando. E eu os vi, na frente da empresa, tentando saber do curador, quando verão seu dinheiro em conta.
Na semana retrasada foi um fornecedorzão grandão do colega ao lado. De novo pânico, corre atrás de fornecedor novo, acha fornecedor novo, que é do meu portfolio aliás. A empresa está em "receivership", o administrador fica lá na porta da empresa que nem um guardião de história de Tolkien, nem uma fotinha dos nossos equipamentos nos deixa tirar. Enquanto isso, 850 empregados trabalham até a empresa ser executada em junho, e estarão também na rua. Gente que trabalha na linha de produção da empresa há 30 anos, gente que não sabe fazer outra coisa senão vulcanizar tapete.
Essa semana é o fornecedor ultra famoso e poderoso de plásticos. Às 9 da manhã, a planta na Suécia entra com pedido de falência. Às 11, a da Alemanha. Às 13 a da Bélgica. Eu fico nervosa seguindo o Google Alert, esperando a planta de onde compro, na Itália, entrar na dança. Até agora nada, mas virá, e eu já estou feito uma louca procurando substitutos.
Nessa história toda, duas coisas me afetam demais: começa com os empregados mais antigos, de produção, que estão perdendo seus empregos. Essas pessoas normalmente dependem pesadamente do salário, são única renda da família, tem que colocar comida na mesa, pagar prestação da casa... E a maioria nunca fez outra coisa na vida, nunca entrou numa internet pra colocar CV online, procurar emprego é ir em porta de fábrica, ou quando muito numa agência de empregos.
Outra são aqueles donos de empresas pequenas e médias, cujas empresas passam de geração pra geração. Normalmente, os donos dessas empresas são tão orgulhosos de seus bisavós, avós, que construiram a empresa do nada, sobreviveram 1 ou 2 guerras mundiais. E eles, vendo o boom da automobilistica na década de 90 investiram pesadamente pra conseguir certificações ISO/TS, em designers e técnicos, em Unigraphics e Catia, e no que mais a indústria automobilistica exigiu. Agora, a automobilística está quebrando, é um salve-se quem puder, esses coitados estão vendo empresas que sobreviveram guerras indo pro buraco em meses de crise.
Nós, compradores, monitoramos bi-semanalmente a situação econômica dos nossos fornecedores e potenciais fornecedores, e é triste ver empresas ótimas, perdendo crédito, perdendo crédito, até beirar a insolvência.
E isso me afeta sim, muito. Vai ver que, como o anônimo disse ali no post anterior, sou infantil. Porque gente madura e inteligente chega em casa, pega uma taça de Barolo, senta em frente à TV e fica criticando aquele bando de gente pessimista e louca que fala na CNN que ainda não vimos o pior. Ah, e claro, vão "carpe diem", porque "carpe diem" é bem cool. Maldito infeliz que teve a idéia de incluir a expressão, fora de contexto, nos filmecos de Roliúdi, e agora todo mundo acha que o legal é "carpe diem", sejá lá qual for o conceito torto que eles tem da expressão.
Agora deixem-me ir, carpeniar o meu diem, que infelizmente vai ser cheio de reuniões "crisis related".