Deixa eu contar um pouco da minha perspectiva de "como é viver num país socialista".
Ontem um colega brasileiro comentava as maravilhas européias, transporte público bom, escolas bonitinhas, etc etc e etc. E sentenciou: olha que beleza as coisas num país onde não tem roubalheira. Verdade, caro colega, ajuda, mas a razão da belezura toda é bem outra: colega, você paga a maior taxa de imposto de renda brasileira que é 27.5%, eu pago 52%!
Sexta feira recebemos nosso salário adicionado do bonus de participação nos lucros da empresa. Como é pago ao mesmo tempo, 52% do meu bonus vai direto pro Leão. É injusto.
Na Holanda, é pecado mortal, passível de punição severa, merecível de torturas bárbaras, ganhar um pouco a mais que o "Jan Modaal" ( Jan Modaal é a personificação do cara que ganha o salário médio, que oficialmente é €33 mil por ano, que dá uns €1700 líquido por mês ). É pecado ir pra um hotel cinco estrelas de férias enquanto metade do país só tem grana pra acampar, eu só queria que alguém viesse aqui na empresa e checasse quem está aqui as 7 da noite, talvez eu deva colocar filminho no youtube do nosso Jan Modaal, apelidado de Forest Gump, que bate o ponto as 15:30 e corre, literalmente, casaquinho flutuando ao vento, pro carro pra evitar a fila que se forma no portão da empresa nesse horário – a fila dos Jans Modais. No Brasil a gente diria: vê as pingas que eu tomo, mas não vê os tombos que eu levo.
Um dos meus funcionários, assim como vários colegas e mesmo as amigas, reclamava que ele e a esposa vão ter subsídio ZERO na crèche da filhinha recém nascida de acordo com a nova lei. Com dupla renda, merecem duplo castigo. Por outro lado, meu funcionário Jan Modaal é casado, a esposa tem "depressão" e não pode trabalhar e ganha salário desemprego. Ela fica em casa o dia inteiro, mas tem que fazer tratamento psicológico duas vezes por semana, e não tem condição mental de cuidar dos filhos, logo o mais velho vai pra escolinha e o novinho vai pra crèche meio periodo todos os dias – enquanto ela fica em casa "deprimida" – e a família tem reembolso de 80% da crèche. E tem reembolso de €70 euros por pessoa no plano de saúde, e tem reembolso de aluguel. No fim do mês, o Jan Modaal tem livre €1000 na conta; que é o mesmo que meu colega do lado tem livre, com a diferença que ele tem mestrado, trabalha 50 horas por semana, praticamente todos os dias chega em casa tão tarde que a filha já está dormindo, e a esposa está já se preparando pra voltar a trabalhar.
Eu, sinceramente, vejo socialismo só da divisão de renda, na divisão de trabalho – ha ha ha, faz me rir.
É demotivante pros jovens, e é por isso que a Holanda há anos tem que importar mão de obra especializada – diga-se: com grau universitário. Aqui na Empresa acabamos de contratar um Mexicano, em abril começam uma Taiwanesa e uma outra brasileira. Fiz pessoalmente entrevistas para as vagas de "recém formados". Hoje em dia, pra atrair esse pessoal holandês recém formado, além de um salário legalzinho, você tem que prometer celular da moda, laptop fantastico, mil viagens de trabalho, e chegaram até a perguntar se ganham carro da empresa – benefício normalmente dado a empresas de consultoria, que dá o tal carro porque o funcionário está sempre indo de cá pra lá em clientes, e normalmente o salário dessas empresas é abaixo da media – meio que pra compensar o benefício do carro. Mas então… é difícil achar aquele candidato com vontade de pegar no batente, de ralar mesmo…
Essa taiwanesa que vai trabalhar conosco vem de uma das nossas empresas nos EUA. Durante a entrevista, havia um "gap" de 8 anos entre o fim da escola básica ( o colegial taiwanês ) e a faculdade. Ao ser perguntada, ela não se vexou: ela vem de uma família camponesa que não podia pagar faculdade pra ela, ela foi então pra Taipei, trabalhou 8 anos pra juntar o dinheiro pra faculdade. Quando começou a faculdade, era 8 anos mais velha que todos os outros alunos, e de uma classe social inferior, por isso a vida social dela foi limitada e ela estudou dia e noite. O resultado foi uma bolsa pra fazer MBA nos EUA e foi assim que ela acabou entrando na filial Americana. O chefe holandês e a moça do RH não cansam de repetir a história dela, porque aqui, pra holandesada, é uma história fantástica, ninguém aqui faria isso! Ou melhor, deixa eu criar um loop na generalização, poucos fariam isso. No fim, estudando ou não, trabalhando ou não, todo mundo acaba com mil contos na mão. Ha ha ha, novo motto holandês.
E já que já estou reclamando mesmo… Não vou usar praticamente benefício nenhum do governo holandês, mas pelo menos minha aposentadoria vai ser uma belezura… ERRADO! Pensam que minha aposentadoria está incluída nos 52% de impostos que eu pago? Necas de catipiribas. Em cima disso, ainda pago 8% de fundo de pensão, vai somando aí quanto dinheiro do meu salário eu não vejo. E como se não bastasse, esses 8% aparentemente não serão suficientes para garantir 75% do meu salário médio de aposentadoria, logo eu pago uma pensão "complementar" que dá uns 3% do salário. E, pra embelezar a situação, sei lá quem decidiu – vai ver foi a rainha antes de pendurar as chuteiras – que os fundos de pensão fizeram merda com aplicações financeiras em 2008-2009 e agora todo mundo tem que "doar" 6% do seu fundo de pensão pro Sinter Klaas. Sem choro nem vela.
Bom, tá aí, minha revolta. Daqui pra frente saibam: socialismo de ** é ****. Sou capitalista ferrenha, defenderei "cada um que cheire sua merda", ao invés de sempre ser forçada a cheirar a merda dos outros. Casa social? Taca fogo. Creche? 300 contos de desconto por cabeça, independente da renda, não pode pagar crèche, adote um cachorro.
R.E.V.O.L.T.A.D.A.