Sempre achei que aqui na Holanda as empresas cumprem um papel social muito maior que no Brasil. As leis, aliás, ajudam. Um exemplo: o salário mínimo é por idade, afinal um jovem de 20 anos tem muito menos responsabilidade ( ou deveria ter ) que um chefe de familia de 45 anos. Meu marido, assim que casou, recebeu aumento porque passou a ser chefe de família. Quando, no Brasil, a gente vê isso?
Com essa crise, o acordo feito para demissão é generoso: um salário mensal para cada ano trabalhado. Isso vale para as principais empresas da minha região, como a minha, a Philips, a ASML, e algumas outras. Bom, generoso em termos, porque se o ex-funcionário sai "bem", a empresa, que tem que bancar tudo isso, fica na pindaíba. Minha empresa é "filha" de uma empresa americana, e os americanos ficam embasbacados com o custo de se demitir uma pessoa por aqui. É por isso que a empresa está pleiteando junto ao governo uma redução maior de jornada de trabalho, mais abrangente, e por mais tempo.
Essa jornada de trabalho afetaria, em teoria, também o meu departamento. E é aí que a porca torce o rabo, pois vocês tem acompanhado minhas chorumelas de que estou trabalhando até as 8 quase todos os dias, como tocar o barco trabalhando um dia a menos por semana? E os termos desse acordo continuam desconhecidos, seríamos pagos na íntegra, ou os salários seriam reduzidos? Está todo mundo aqui curioso pra ver no que vai dar, e eu só consigo pensar no que fazer nesse dia extra que eu ficaria em casa.
Enquanto isso, nos foruns do Orkut, há cada vez mais brasileiros querendo vir se aventurar pela Zuropa, e não adianta a gente que está aqui falar que a crise é 100 vezes mais grave aqui do que lá, eles não acreditam. Me dá dó da cabeça-durisse desse povo. Tá na hora da Globo, SBT ou whatever vir pra essas bandas e mostrar as dificuldades, se bem que eu não sei se ajudaria, o sonho dourado de que todo mundo fica rico na Europa é difícil de combater.
E não acho que a crise esteja feíssima só aqui não. Li um blog de um brasileiro na Austrália dizendo que é assustador o número de imigrantes perdendo seus empregos de garçom, recepcionista, esses cargos mais simples, para Autralianos que perderam seus empregos mais especializados. Os brasileiros no Canadá também dizem que já se encontra muitos engenheiros e advogados servindo café na Starbucks. É como eu sempre disse: na hora da crise, a corda sempre arrebenta pro lado do mais fraco, e no contexto, somos sempre nós, os imigrantes.
A brasileirada, que tá vendo uma versão ameníssima da crise, acha que vai chegar na Zuropa e vai "abalar Bangu". Pode ser que em outros países seja diferente, mas aqui, lourão adora dizer que é tolerante ( vejam só, nós, imigrantes, temos que ser tolerados ), que não discrimina, mas nós, cucarachas, somos bons mesmo é pra limpar chão e servir café, e mesmo assim, entre ter que ver um "patrício" desempregado estendendo a caneca da alumínio na porta do departamento dos desempregados ou um cucaracha, que se lasque o cucaracha.
O post já tá gigante, então vamos lá a mais algumas elocubrações. Eu acho que muitos holandeses estão sendo SUPER inflexíveis na forma como encaram essa crise. A empresa não está vendendo nada, NADA. Não entra dinheiro. A empresa, pra tentar não ter que mandar embora, propôs várias medidas, todas rejeitadas pelos empregados e sindicato. Está cada um preocupado em defender o seu, e ninguém se preocupa com a coletividade. Primeiro a empresa sugeriu corte de 10% de todos os salários e estabilidade de emprego de 12 meses, a grande maioria, inclusive dos meus colegas, disse que não concordava e que não ía baixar o padrão de vida pra empresa ter lucros. Re-lou? Crise mundial? Meio mundo perdendo suas casas e neguinho não quer abrir mão do dinheiro da "breja"? Eu sei que alguns vivem com dinheirinho contadinho, mas a grande maioria pode se virar com 90% do salário. Mas meu colega aqui já disse tudo: quer me mandar embora, manda! Ganho 21 salários, e ganho 75% do meu salário em auxílio desemprego, é mais negócio pra mim…
Depois, a empresa sugeriu cortar os aumentos por boa performance, e neguinho aqui pulava um metro de altura, principalmente os recém formados, que tem aumento dobrado nos primeiros 5 anos de carreira: "sem os 9% desse ano, meu salário a longo prazo se igualará ao salário de um HBO ( bacharel ), ou seja, estudei o master à toa". Re-lou 2? Eles preferem ser mandados embora e parar a contagem dos 5 anos até conseguirem outro emprego? Seriously?
Eu sempre achei brasileiros carneirinhos demais, sempre se borrando de medo de perder seu precioso ganha-pão, mas aqui o negócio é muito do avesso. Vendo essa inflexibilidade toda chego a pensar que eles não tem o mínimo medo do desemprego. O que não me surpreenderia, at all.
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