terça-feira, junho 21

Dinheiro não compra felicidade... Mas que é bom ter, ah isso é!


Ontem na aula de holandês o tema era: é possível ser feliz sem dinheiro.

Como exemplo, a professora contou que quando ela era criança, um simples piquenique num parque era um acontecimento, e falou da cesta de comida, das brincadeiras e do laguinho. Tudo muito idílico e romântico.

Fiquei pensando que a pobreza holandesa não se compara à pobreza brasileira, ou será que minha impressão sobre a pobreza brasileira, ou o que eu conheço dela, é que não deixa espaço pra romantismo?

Tive que lembrar de um exemplo "suave" pra dar na aula. Contei que quando eu era pequena, minhas tias casaram ( são bem mais novas que minha mãe ). Como a grana era curta, minha mãe foi fazer um curso de bolos pra poder fazer o bolo delas. Minha tia S casou quando eu tinha uns 8 anos, minha tia L um ano depois. No curso, ensinaram o pão de ló de laranja e a cortar aquela parte abauladinha pro bolo ficar reto. Minha mãe decidiu que era muito desperdício de bolo, e que iria compensar as juntas com bastante chantilly. O chantilly era na verdade o que hoje se chama de buttercream, uma barrinha de manteira Paulista batida na batedeira com uma lata de leite condensado. Até hoje é um dos meus favoritos. O recheio era creme branco ( 2 partes creme de leite, uma parte leite condensado, uma parte leite, uma parte leite de côco, uma colher cheia de maisena pra engrossar ) com pêssegos em calda. Mas minha parte favorita era a decoração. Minha avó comprava côco partido em pedaços grandes na feira, e a gente passava no fatiador do ralador para fazer lâminas finas, essas lâminas eram enroladas em forma de caracol e "fincadas" no buttercream que cobria o bolo. Minha mãe deixava eu ajudar nos rolinhos de côco e eu achava tudo muito lindo. Het Einde.

Seis anos depois minha tia L já tinha meu primo D. e ele tinha uns 4 anos. Eles estavam com dificuldades financeiras e ao chegarmos na casa deles o D estava com os olhinhos vermelhos: o dinheiro não deu pra comprar as "coisinhas dele" no supermercado. Eu e minha mãe corremos pro mercado e compramos o que eu e meu irmão sempre adoramos quando crianças: danette, baconzitos, bolacha recheada de chocolate, bala soft. Meu primo ficou felizinho, mas explicou: minhas coisinhas são pasta de dente, uma escova de dentes nova e shampoo.

Anos mais tarde, a irmã dele voltou da escola chorando, as crianças estavam tirando o sarro dela porque o cabelo enrolado dela estava super armadão, o motivo: estavam há semanas sem shampoo e ela estava lavando o cabelo só com sabonete.

Eu já era adulta e estava trabalhando na GM. Minha tia S estava com problemas financeiros. Numa sexta feira ela ligou pra minha mãe pedindo um dinheiro emprestado porque se a conta de luz não fosse paga naquele dia, seria cortada. Apesar da correria pra pagar a luz, o pagamento não foi feito a tempo e avisaram que a luz ficaria cortada todo o fim de semana. Eu fiquei de coração partido por causa das crianças, e para evitar que eles percebessem a pindaíba, os levei pra casa da praia e ficamos lá o fim-de-semana e segunda-feira, até que religaram a luz.

Na casa da Tia L todos são bons de garfo. Em épocas de vacas-magras as crianças reclamavam que não podiam mais ver ovos na frente. A gente comprava então salsichas, linguiças, frango e dava pra eles. Quando a situação melhorava, ao invés de comprar as carnes, congelar e usar com parcimônia, comemoravam com quilos de bife ( carrrrne ) numa fritada só. Aí minha avó se metia, falava poucas e boas, saía briga, ou então com a minha outra tia… tinha sempre um de cara virada com o outro por causa das bifadas…

O telefone toca cedíssimo num sábado: Adriana, você pode me emprestar um cheque? Minha prima T estava no hospital. Passou mal de noite, meus tios sem convênio levaram a menina pro pronto socorro, estava cheio e ninguém a atendia, ele desesperado a levou pra um hospital particular. Ela precisou ser internada, mas só aceitavam pacientes que deixassem um cheque caução. Meu tio não tinha cheques há anos, então lá fui eu, dei o tal cheque, ela foi atendida.

O governo decidiu mudar o sistema as escolas dos bairros, ao invés de ter todas as séries foram divididas entre "primário" e "ginásio". A T tinha acabado a 1a. Série, e a nova escola ficava meio longe. Minha tia tentou levá-la de ônibus, mas ele passava cheio e não dava tempo delas descerem no ponto certo. Começaram então a ir a pé. A professora da T chamou minha tia pra dizer que a T estava chegando muito cansada todos os dias, que o rendimento dela estava caindo. A solução foi "colocar a T na perua", ou seja, um tiozinho vinha buscá-la, e eu paguei por quase dois anos até a situação melhorar e meu tio comprar um poisé.

Vejam bem, não estou reclamando. Foram essas mesmas tias e tios que cuidaram muito do meu sobrinho quando ele era pequeno e minha cunhada decidiu ir terminar a faculdade. E que até hoje ajudam minha mãe a ir pra médicos, que sempre me buscam no aeroporto, que instalam uma cortina pra minha mãe. Já enrolaram muita coxinha, já suaram litros na boca da churrasqueira em festinhas ( meu pai ODEIA churrasquear ), lavaram muita louça e limparam muito quintal. Quando eu era adolescente e não queria ir pra praia com meus pais, era com a Tia S que eu ficava. Eram e ainda são certeza de apoio num momento difícil, pau pra toda obra.

Mas vi tanta coisa difícil nos problemas financeiros deles, que não consigo encontrar romantismo na pobreza.


5 comentários:

Line disse...

Também não consigo encontrar romantismo na pobreza. Tive uma infância muito feliz em termos de educação, de liberdade para brincar, de aproveitar a infância como deveria ser. Mas em contrapartida, me lembro muito bem dos altos e baixos da nossa situação financeira, e de romântico nisso não vejo nada.

Mas acho que a "pobreza" holandesa possa talvez ser comparada com o que chamamos de "levar uma vida simples" no Brasil. Já a pobreza, como conhecemos ou já ouvimos falar, bem, essa é muito diferente...

Kenia Mello disse...

Foi o que eu estava conversando ontem com um holandês: a pobreza do Brasil é impensável para quem nunca viu o que é ser pobre de fato.

Monica Peres disse...

No caso em que vc descreveu, e em tantos na minha família e em famílias de amigos e com as quais convivo, vejo que maior problema que a pobreza ($$) é a cabeça "pobre" que as pessoas tem, que mesmo em face a oportunidades de estabilidade não tem recursos morais, em termos de força de vontade, de alavancar uma mudança no comportamento mesquinho, infantil,por vezes até ressentido e invejoso que eles tem com relação ao próximo....nem todos são assim, naturalmente, mas acho que somos muito consumistas e simplistas, em um país paternalista de pessoas que empurram tudo para as costas do próximo. Até a pobreza precisa ser contextualizada, embora seja bem diferente da pobreza Europeia, sem dúvida, a pobreza de espírito ainda é o que mais assusta!
beijo

Sheila disse...

Tb penso que não existe romantismo algum qdo a grana é curta e as contas chegam sagradas todo mês.As vezes é até uma questão de sobreviver diariamente. Dinheiro pode até não trazer felicidade, mas a falta dele traz muita infelicidade...

Holandesa disse...

Tenho que dizer que divido o mesmo pensamento que a Mônica...