Eu acho que todos nós morando no exterior desenvolvemos uma listinha de coisas que a gente prefere no novo país, e outra que preferimos no Brasil. Hoje, para mim, a listinha holandesa está bem grandinha, mas tem tem um "feeling" sutil, tipo aquele incômodo de usar uma roupa um pouquinho apertada, de que falta algo muito importante. Talvez falte, ou talvez eu ainda não os tenha entendido, mas nos holandeses me falta uma certa "joie de vivre", me falta aquela certa dose de histórias extraordinárias, de gente que fez o inesperado, por vezes até o inacreditável.
Visitando Salvador, passamos em frente à igreja do seriado/filme "O pagador de promessas", e eu fiquei pensando na fé, na perseverança, na força de vontade daquele homem, e de tantos como ele. Será que algum dia aqui na Holanda eu encontrarei alguém ou algum fato semelhante?
E daí continuei pensando que todos nós brasileiros, gente normalzinha, em nossas vidas reais, já nos deparamos com alguém que demonstra essa fé em algo, ou uma garra extraordinária, que nos impressiona e até inspira. Deixa eu contar aqui uma dessas histórinhas, a do meu primo D.
D é meu primo de primeiro grau, e nasceu numa casa bem, bem, humilde. Desde pequeno, com 3 anos, D demonstrava uma inteligência acima da média, nessa idade já sabia o alfabeto, sílabas, e até começava a juntar palavras. Todos nós achávamos uma pena que D não pudesse ter acesso a uma escola particular, já que notávamos como o oferecido na escola estadual estava aquém das possibilidades dele.
Aos 12 ou 13 anos porém, D começou a ter ataques epiléticos, e depois de muitos exames, e pouca melhora, estabeleceu-se que ele precisaria tomar um remédio fortíssimo, o famoso Gadernal para controlar os episódios. Quem aqui conhece pacientes que tomam esse remédio sabem como a pessoa fica sonolenta, devagar. Notávamos isso nele, e em épocas que a dose precisava ser aumentada, sabíamos que era muito difícil para ele acompanhar aulas, fazer tarefa de casa. Aos 18 anos, terminando o colegial técnico, D decidiu que queria fazer faculdade. Todos nós pensávamos, e dizíamos entre nós que era impossível, primeiro, como pagar a faculdade com o salário mínimo do meu tio? E depois, como ele iria acompanhar um curso universitário quando, por causa dos remédios, até o colegial tinha sido difícil?
D. descobriu uma bolsa para "afro-brasileiros" na faculdade onde eu estudei, perto da casa dele. Era bolsa parcial e ele não é afro. D. tomou um solzinho, o cabelo sempre foi preto, se inscreveu pra tal bolsa, e com a renda familiar baixa e um bom desemprenho na escola, conseguiu. Minha tia foi trabalhar de merendeira numa creche para ajudar, e D começou seus estudos universitários.
Em pouco tempo D estava fazendo estágio para que a mãe pudesse usar o dinheiro do emprego dela na casa. Para nós familiares, era difícil ver como D chegava acabado do trabalho, e por causa do remédio precisava dormir pelo menos uma hora antes de ir pra faculdade. E todas as idas e vindas eram feitas de ônibus. Nada na vida dele era fácil.
Mas D não desistiu e acabou de se formar. Eu acho a história dele uma história extraordinária, e tenho certeza que todo mundo aqui tem um parente, um vizinho, um amigo, com uma história parecida.
Nesses meus 6 anos de Holanda, trabalhei em 3 empresas e conheço um grupo razoavelmente grande de holandeses, ou seja, tenho uma amostragem razoável. Eu não conheço uma única história semelhante. Eles estudam na escola do bairro, aos 12 anos são mandados pra um colegial melhor ou pior e vão sem contestar ( ou a maioria vai sem contestar ), ao fim do colegial escolhem um curso qualquer, quem precisa se inscreve pra uma bolsa ( como fez meu marido ), que não é dificílima de pagar ou suuuper alta, se a faculdade é longe de casa vão morar nuns quartinhos perto da faculdade, muitos com a ajuda dos pais, outros com a ajuda do governo, e depois de formados rapidamente conseguem seus empreguinhos, e a vida segue. Não consigo imaginar nenhum dos meus colegas superando as adversidades que meu primo D teve, provavelmente teriam pedido auxílio-qualquer coisa ao governo.
Fico com a sensação de que o povo daqui é todo meio medíocre, que essa ajuda toda do governo os deixam meio acomodados, meio que esperando uma ajuda do governo em caso de qualquer adversidade. Um exemplo é essa crise, que só tira o meu sono e de um colega Belga, de resto, o povo diz que vai viver de "uitkering" ( auxílio-desemprego ).
Eu até entendo um brasileiro medíocre, afinal muitos não tem meios financeiros de conhecer ou fazer muitas coisas, e já é difícil o bastante manter "the head above the water", mas aqui... Há uns dois meses, um dos meus colegas estava indo para Roma, e na mesa do almoço, dos 9 colegas 6 nunca estiveram lá. Eu acho indesculpável, considerando que há mais de 5 anos a Ryanair tem vôos praticamente de graça saindo de Eindhoven. E dos 9, apenas 5 foram a Paris, que dá pra ir de carro, mas desses 5 só um foi ao Louvre ( !!! ). E teve um que já foi 2 vezes à Disneyland, mas nunca se sentiu motivado a esticar até Paris ( fica a 40 minutos! ). E daí é aquela história, falta a motivação e o "joie de vivre" pra perder o fôlego ao ver a Balisica di San Pietro ou o Coliseu pela primeira vez. E como descrever a vista da Torre Eiffel do Trocaderò quando menos se espera?
Eu penso muito se vou me adaptar totalmente um dia, ou mesmo chegar a entender esse povo. E me pergunto se eu decidir ter um filho, será que ele será assim?
sexta-feira, janeiro 23
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13 comentários:
Realmente a falta de interesse em conhecer outros lugares, outras culturas, ver coisas bonitas e se encantar nao faz parte da vida de muitos holandeses...o meu namorido nao conhecia a Antuerpia e so foi porque insisti muuuito, detalhe: a Antuerpia fica a 25 minutos de carro da minha casa - pasmem!!!!!.
beijo
Ju
Oi Adriana, eu conheço uma história "extraordinária", pelo menos pra mim, de uma holandesa. Nada ligado a carreira/trabalho mas sim a necessidade de viver e lutar desde a juventude contra uma doença difícil, limitante e incurável. Admiro muito o fato dela fazer de tudo pra ser o mais independente possível, sem jamais tê-la ouvido se queixar, quando outros ficariam deitados vendo a vida passar e sofrendo de auto-piedade. Quanto ao que você disse sobre essa possível diferença do brasileiro pro holandês quanto a alegria de viver, acho que se aplicaria bem àquele ditado "a necessidade faz o sapo pular" (ou algo assim, rsrs). Como você colocou, os benefícios sociais aqui são bem maiores que no Brasil, o que é justo e correto, mas pra alguém que já tem tendência a acomodação e conformismo é também um prato cheio, não é mesmo? Não estou dizendo que todos são preguiçosos, não, mas há casos e casos. Enquanto isso, no BR, sabe-se que quem não pular morre de fome!
bjs
Eu tinha a mesma impressao do meu ex-namorado... Ele e os amigos nunca tinham vontade de planejar uma viagem, em 3 anos morando aqui eu viajei mais do que ele a vida inteira, ele nunca conseguia entender o que era pegar o trem Santo André - Braz em horário de pico (mas só pra fazer estágio???) ou fazer faculdade e trabalhar ao mesmo tempo...
Coisas de país rico...
Acho que vc tem que ver que pode combinar o bom das duas culturas e nesse caso, passar o exemplo adiante, principalmente num caso de um filho. O "joie de vivre" eu vejo como uma dessas qualidades.
nas américas em geral esse tipo de historia é mais comum mesmo...mas viver remando contra a maré cansa também. beijus.
Depende Dri, eu já acho que muitos aqui gostam de viajar, mas tem gente que prefere ir para um país longínquo do que conhecer as capitais da Europa. É meio que uma coisa de status. Eu conheci um que já tinha rodado vários países africanos, asiáticos mas que, pasme, nunca foi à Espanha e só onheceu Paris no ano passado!
E realmente lamento que muitos não parecem ser tão sensíveis às coisas bonitas do mundo, paciência.
E realmente aqui eles são um tanto acomodados, não gostam de riscos, não sabem batalhar.
Tudo verdadeiro, concordo 100%.
E a história de "D" é a história do Brasil, tantos, tantos são assim.
Quanto a um futuro filho, permita-me dizer por mim mesma:
Muitos planos, bastante incentivo e pouca expectativa.
Porque cada um é, como cada qual - como diz minha Tia Otilia.
E filho também é assim, "sai" da gente mas já vem pronto, agente tenta influenciar (probem) e mostra, e oportunizar........ mas no final, eles são como são.
Dri,
Eu sei que estou dando uma de advogada do diabo e ändo relativando bastante as coisas da vida. Vai ver que é devido a minha fase "zen", não sei! ha ha!
Mas eu me lembrei de alguns exemplos Holandeses como o nadador Holandês que levou medalha de ouro nos 10kms de natação em mar aberto que venceu leucemia e até a própria Inge de Bruin que ela, a mãe e a irmã dela foram maltratadas pelo pai e tiveram que "sumir" do mapa quando elas era pequenas e na adolescência e sofreram bastante para superar o trauma e vencer... Esses são casos famosos, mas existem os casos do dia-à-dia, diga-se de passagem, já vistes quantas pessoas fazem trabalhos voluntários na Holanda?
Além do mais, é bom que no Brasil existem casos como o do D., para não matar a esperança de que tudo é possível! ;)
Eu tb fico com a impressão de que vc conhece os holandeses errados.
No meu meio todos são viajados e cultos, ralaram 6 anos de faculdade mais 5 de residência e conhecem a Europa como a palma da mão...
Dri,
Tem gente que fez, e faz, história na Holanda. Quem sabe seu filho nao vai fazer parte dessa lista? :o)
Dá uma olhada aqui:
http://www.netherlands-embassy.org.uk/about/index.php?i=41
Beijos,
Angie
Nossa, impressionante a estoria do seu primo... emocionante tambem. Mas como vc disse todos nos ja ouvimos ou conhecemos outro brasileiro com uma estoria de superacao.
E com relacao a "ajuda do governo" aqui na Inglaterra nao e muito diferente. O que tem de gente acomodada, claro, o governo da tudo, de casa a salario. E muito comum ver, principalmente na periferia de Londres council-houses (casas pagas pelo Governo) com carro novinho em folha na porta. Quem vai querer se mexer desse jeito???? Um absurdo!
Olha so, eu tenho um selo e meme para vc la no blog, quando puder da uma passadinha por la.
Bjs
Joie de vivre: boa definição.
Bom, eu também não preciso ir muito longe pra ter um exemplo dessa mediocridade. Meu enrolado mora em Steenwijk e só conheceu Amsterdam com 23 anos nas costas. Nessa e nas muitas outras dores de cabeça que tenho com ele que eu vejo o quanto eles são estagnados na vida... é irritante!
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