Deixa eu começar dizendo que eu acho processo de seleção pra empregos uma coisa muito, muito bizarra.
No Brasil, minha experiência em entrevistas é curtíssima. Antes de entrar na GM eu fui estagiária, vi o anúncio na faculdade, preenchi uma ficha, eles queriam alguém que falasse inglês, ficou entre eu e outra menina, eu levei a vaga.
Para entrar na GM foi um drama.
Aqui começa uma histórinha que, se você estiver sem tempo ou sem paciência, pode pular lá pra baixo, onde eu aviso que é o fim da estorinha.
Entrei também como estagiária, e naquela época era raro alguém entrar de outra maneira. Haviam 120 vagas, uma metade qualquer aluno de administração podia se candidatar, o resto era vaga técnica. Naquele ano a GM teve 3000 CV’s. Para dar a primeira peneirada, eles aplicaram um teste de lógica com 36 questões, a nota de corte foi 34, chamaram os primeiros 600 candidatos.
*** Historinha parte 1: eu nunca tinha pensado em fazer estágio na GM, mas o pai de uma amigona era diretor lá e ela estava alucinada pra fazer estágio lá. No dia que abriram as inscrições caiu a maior chuva do universo, e ela estava sem carro, então me pediu se dava pra eu dar uma carona pra ela e a gente pegava um cinema depois, pra não ter que esperar na chuva ou dentro do carro, eu entrei no RH com ela, e aí, porque não preencher uma ficha também? E ambas fomos chamadas pro tal teste lógico ( todo mundo foi ), eu passei e ela não. ***
Esses primeiros candidatos assistiram palestras de vários departamentos, eu escolhi fazer entrevista em importação e exportação. Ficaram de me dar a resposta 2 semanas depois da entrevista, passou-se um mês e nada. Eu desanimei, fiquei chateada – a essa altura tinha ficado animada com a perspectiva de estagiar no departamento de importação de uma empresona tão grande – e depois de exatos 2 meses, me ligaram pra dizer que a vaga era minha.
*** Histórinha parte 2: quando me ligaram pra dizer que eu passei no teste lógico e estava convidada pras palestras, liguei direto pra amigona pra combinarmos a carona ( e a roupa, e o cabelo, e a maquiagem ), mas ela ainda não havia sido contactada. Amigona, meu nome começa com A, o seu com P, ainda hoje te ligam. Não ligaram e nossa amizade de anos, de viajar junto e tudo acabou ali. Quando me ofereceram a vaga, depois das entrevistas e longa espera, encontrei a amigona numa festa da turminha, meio acanhada contei que ía estagiar na importação, e ela, toda sorridente, me disse que ía estagiar em compras. Como, se você não assistiu nenhuma palestra, não foi a nenhuma entrevista? Ah, meu pai escreveu um memo pro RH dizendo que achou o processo falho e eles abriram uma exceção pra mim, que fiz então entrevista em compras e fui aceita. #issoehBrasil “
Fiz o estágio por 11 meses, e a empresa que sempre contratava todos os estagiários ao fim do programa, informou que naquele ano não íam contratar ninguém, íam na verdade mandar gente embora. Fiquei arrasada, chorei, e agora meu pai? Me ofereceram um contrato de terceirizada, mas tinha uma cláusula que impedia que no futuro eu fosse contratada pela GM, então eu estava chateadésima e em dúvida se ía aceitar. Na última semana apareceu uma vaga em outro departamento, eu fiz entrevista, novamente o inglês me salvou, no último dia de estágio, fui contratada como “efetiva”. Aleluia, chorei que nem criança.
*** Histórinha parte 3: a essa altura, amigona não era mais amigona, ela me evitava tanto que eu captei a mensagem e parei de procurá-la. No primeiro dia como efetiva, dei de cara com quem na hora do almoço? A amigona. Beijinhos e sorrisos, ela não tinha sido efetivada no departamento de compras, mas uma “oportunidade de última hora” apareceu numa empresa filha da GM e ela foi contratada. O que me chateou foi que quando eu contei pra ela da minha vaga, ela ficou azul de raiva porque o a área em que ela estagiou era diretamente ligada à vaga para a qual eu fui contratada, e ela não só não foi convidada a participar do processo de seleção, como nem sabia que a vaga estava aberta. Para meu espanto, ela foi até o meu supervisor “tirar satisfação” – discreta e educadamente, porque ela era muito discreta e super educada. ***
Fim da estorinha
Quando mudei aqui pra Holanda, participei do processo de seleção para mais de 15 vagas, a maioria com 3 rounds de entrevista. Tudo muito bizarro. Hoje, quase 10 anos depois, entendo algumas das bizarrices – eu era ( ou ainda sou ) a imigrante bizarra, que precisa se adaptar, que precisa aprender o idioma – outras eu não entendo e não faço mais questão.
Aqui, você manda um CV, se te chamam normalmente você faz 3 rounds de entrevistas até te darem uma “proposta” ou um sinto muito. Quando te dão o sinto muito, eles normalmente te informam a razão. Eu achei isso uma coisa do além quando mudei pra cá, mas hoje acho ótimo, afinal você sempre é informado que está fora do processo, e se te informam o motivo, tem como se comportar diferente numa futura entrevista.
Um exemplo: fiz entrevista na Nutricia, empresa que faz a Olvarit, a maior marca de comida infantil e hospitalar da Holanda. Sem falar que fazem também o Chocomel ( humm, diliça ). A primeira e segunda entrevistas foram ótimas, o gerente que me entrevistou praticamente me deu o emprego na hora. O que eu não vi na época, mas agora entendo, é que esse gerente queria uma compradora junior / assistente, e eu queria a vaga de compradora ou compradora senior. A terceira entrevista foi com dois diretorezões, fizeram vários testezinhos do além, perguntinha capisciosa de laguinho que se multiplica todos os dias, padre e canibal, mas a porca torceu mesmo o rabo quando um lá me perguntou se eu sabia quem era Alan Greenspan. Não eu não sabia. Vergonha, eu sei, mas eu não sabia. Aprendi, meio tarde, mas fazer o quê? Na cartinha de rejeição, o motivo indicado é que eu não era “sofisticada” o suficiente para lidar com aquela vaga, se eu estivesse interessada eu poderia continuar no processo de seleção para assistente / junior. A vaga pagava pouco, era em Amsterdam Zuid, eu decidi não continuar.
Quer mais bizarrice? Os tais assessments. Já pegou essa moda aí no Brasil? Então, eu fiz os 3 rounds de entrevistas na DSM, passei em todos. O último diretorzão disse que por procedimento tinham que me mandar pro tal assessment, que era pra ter sido antes das entrevistas, mas teve um desencontro de agendas. Fiz o tal assessment. É um tal de teatrinho, de case study, de mais pegadinha de laguinho-padre-canibal, conversinha com psicólogo, um dia desperdiçado. O resultado: não me indicavam pra compras, mas sim para vendas. WTF? Eu não consigo vender perna de pau pra perneta! E eu fiquei chateadésima, claro, e por cima ficou o tal RH me ligando pra eu ir pra entrevista do departamento de vendas, e eu desesperada pra conseguir um emprego, mas 100% certa de que eu seria incapaz de trabalhar naquele departamento, o que o RH não entendia era porque se o almighty assessment dizia que eu era perfeita pra vendas, como poderia eu discordar??
Há algumas semanas recebi um e-mail de uma vaga numa empresona em Nijmegen. A vaga é super legal, mas eu não estou interessada em mudar de empresa, e pra falar a verdade, dirigir mais de uma hora pra ir e outra pra voltar, não rola. Mas meu colega gerente mora a 8 km da planta, e ele está querendo sair daqui, então repassei a vaga pra ele. Ele mandou um CV e segunda recebeu a cartinha que está fora do processo. Ele ligou lá pra saber o porque!!! Eu fiquei de cara, mas parece que isso aqui na Holanda é procedimento normal. A mulher do RH disse que não vão mudar de idéia, mas que ela aceita ter uma conversa telefônica com ele pra um feedback, ou seja, a mulher vai explicar tin-tin por tin-tin, o porquê de ele não ir nem pra primeira rodada. Agora digam aí, qual a reação no Brasil, onde nem te dão o feedback que você está fora, se o candidato liga e pede pro cara explicar porque o CV dele não é bom o suficiente?