quarta-feira, setembro 28

Difícil


Quando eu era pequena, nossa família tinha um tabu, um assunto praticamente "intocável": o suicídio da C.

C. era prima do meu pai e irmã da minha madrinha, e há mais de 50 anos engravidou solteira, o pai da criança sumiu. A criança nasceu, a C. continuou morando com os pais e a vida continuou. A filha era ainda pequena ou bebê quando a C. subiu num prédio de São Caetano e pulou, especula-se que ela estivesse grávida de novo. A criança foi criada pela avó como se fosse filha, a menina só ficou sabendo da história da mãe verdadeira já adolescente.

Fora esse caso, nunca soube de nenhum outro suicída no Brasil.

Mudando aqui pra Holanda, em nove anos já conheci 3 pessoas com um familiar que se suicidou.

Há tempos contei aqui do senhor que trabalhava na Bosch comigo, o filho aos 16 anos pulou na frente de um trem nos trilhos bem na janela do escritório do pai. Já fazia 4 ou 5 anos e o pai ainda tomava remédio pra depressão e trazia na mesa um porta-retratos com a foto do filho e uma lanterninha de jardim com uma vela dentro, que ele acendia todos os dias.

Ontem, um dos meus funcionários me pediu um dia livre na semana que vem para um "herdenking": a família se reúne para lembrar do afilhado dele, que se suicidou há 3 anos, também no trilho do trem. É triste ver o estado da família depois de um acontecimento desses, não só pela tragédia ou pela perda, mas ver os familiares chegados, que viam o rapaz todos os dias, se condenando por não terem percebido nada, não terem visto os sinais. Deviam fazer mais campanhas pra ensinar famílias a reconhecer sinais, eu acho que eu também não teria percebido.

Olha que coisa estranha, uma velhinha que mora de frente pro trilho de trem contou pra família que o viu por lá 3 vezes ao menos, andando ao lado dos trilhos, indo e voltando. Ela achou que ele estava pensando em suicídio, mas que atitude tomar, falar com o rapaz, tentar localizar a família? Esse rapaz tinha 29 anos, naquele dia foi com amigos a um jogo de futebol aqui no estádio do PSV, parou num bar com os amigos, tomou uma cerveja, foi de bicicleta até o trilho do trem, acorrentou a bicicleta e fechou o cadeado, ajoelhou na frente do trem, e segundo o motorista do trem, estava com as mãos em posição de prece. O corpo foi encontrado aos pedaços, claro, apenas o cinto e a carteira foram devolvidos pros pais, e após várias semanas da cremação, um vizinho achou um dedo numa árvore.

Eu me pergunto se a depressão é mais frequente hoje em dia, ou se os números sempre foram altos, mas no passado nunca foram levados a sério ou tratados como doença. No Brasil, minha mãe faz tratamento com remédios pra depressão, e quando ela sisma em parar com o remédio, todo mundo percebe porque conviver com ela é praticamente impossível. Agora minha prima me disse que minha tia está muito muito mal com uma depressão terrível, e começou essa semana a tomar remédio. Acho ótimo que hoje tenha-se remédio pra depressão, mas fico com medo de alguns médicos que os prescrevem. A doença deve ser levada à sério, e o uso do medicamento também. No caso da minha mãe e da minha tia, o médico receita 3 meses de remédios, sem uma volta ao consultório. Aí, como faz minha mãe sempre, depois de um mês ela se sente melhor, que é o efeito esperado do medicamento, e pára de tomar, achando que está "curada". É claro que um mês depois ela volta à estaca zero, deprimida de novo. Duvido que com a minha tia será diferente, ouvi que "não vou ficar tomando remédio de maluco pro resto da vida". E esse médico que não explica que a depressão não é uma inflamação de garganta, que se medica, ela sara, e volta a acontecer tempos depois? E esse médico que não explica que depressão é uma doença séria e não "coisa de maluco"?

Ai credo, que assunto né?

5 comentários:

vcdarcie disse...

Voce nunca soube de outro caso de suicidio no Brasil? nossa! são tantos, o mais recente foi o suicidio do namorado da escritora Cibele Dorsa e um tempo depois ela tb se suicidou. Agora de pessoas próximas conheço só uma, uns 7 anos atrás, era filho do meu vizinho, e trabalhava com meu irmao na Volks, tinha no máximo uns 28 anos, ele colocou uma camiseta na cabeça e se jogou de cima do pontilhão -lá em SBC- caindo um carro passou por cima, tb nao sobrou mta coisa. Triste, até hoje o pai dele qdo comenta, fica com os olhos marejados.

Alice disse...

No nosso pedaço (BH, MG) suicídio não é tabu (pelo menos na minha família e círculo de amizades), e acontece com frequência semelhante aos países sul europeus (no norte a incidência é um pouco maior).
Um dos meus melhores amigos suicidou em 1999. Ele era neurocirurgião e sabia como morrer com medicamentos. Eu fiquei na porta do elevador do apartamento dele para o caso de a mãe chegar e querer ver o corpo (era miinha a tarefa de amparar os parentes que chegavam. Conversar e decidir com eles o que era sensato, ver o corpo ou lembrar do nosso amigo como o vimos pela última vez). Foi minha também a função de levar o Peninha (o fox terrier) prá minha casa e encontrar um novo dono pro cãozinho.
Todo mundo reclama que eu defendo os colegas do Brejo de Baixo, mas até os huisartsen (médicos de família) seguem o protocolo de rever o paciente depois de 2-3 semanas do início do tratamento e manter o medicamento por NO MÍNIMO 6 meses (vendo o paciente mensalmente no mínimo) depois da melhora do quadro. Quando há risco de suicídio o paciente é referido para tratamento de 2a linha (especializado) com equipe multidiciplinar: psicólogos, psiquiatras, assistente sociais, enfermeiros psiquiátricos, etc.
O que mais tem no BR é médico picareta. E brincar com a depressão de um paciente em cuja família há casos de suicídio é erro tão grave, ou pior, que prescrever só paracetamol para infecções bacterianas... Tja!

Helga disse...

PRa mim tirar a própria vida é um ato de extrema coragem e não de covardia como dizem.
Eu acho que jamais teria coragem.
Enfim, post triste porém verdadeiro.
bj

Eu disse...

Eu mesma estou passando por um problema de depressão
e ansiedade e é uma situação horrível, pior do que uma doença física, que vê a olhos nus. A depressão te debilita e limita sua vida em diversos aspectos. Graças a Deus, nunca pensei em me machucar, mas até consigo ver o lado pelo qual algumas pessoas o fazem. O negócio é procurar ajuda o quanto antes e fazer uso de remédios quando necessários, e terapia. Sofrar sozinho e em silêncio, não faz bem a niguém.
Bjs

Eu disse...

Eu mesma estou passando por um problema de depressão
e ansiedade e é uma situação horrível, pior do que uma doença física, que vê a olhos nus. A depressão te debilita e limita sua vida em diversos aspectos. Graças a Deus, nunca pensei em me machucar, mas até consigo ver o lado pelo qual algumas pessoas o fazem. O negócio é procurar ajuda o quanto antes e fazer uso de remédios quando necessários, e terapia. Sofrar sozinho e em silêncio, não faz bem a niguém.
Bjs