quinta-feira, julho 14

Ah, o ser humano...


Uma das comadres, quando virou gerenta, me contou a história de um funcionário que até hoje me faz rir. Ela propôs ao funcionário, que não era nenhum jovenzinho recém formado, que ele fizesse um "layout", um trabalho que até então ele não tinha feito, mas que segundo a comadre, não era nenhum bicho de sete cabeças. Aí no dia seguinte da "proposta" esse funcionário foi pra comadre: Sr. Comadre, eu me olhei no espelho e perguntei: Hans da Silva, você será capaz de fazer um layout??? Esse "me olhei no espelho" ficou comigo desde então, eu já imaginei o banheiro cheio dos vapores do chuveiro matinal e o cara enrolado numa toalha se perguntando: espelho espelho meu, existe alguém mais sonso do que eu?

Aqui na empresa há quase um mês eu recebi um funcionário "do banco". JL trabalha na empresa há 40 anos, está perto da aposentadoria. O mundo evoluiu, os computadores tomaram conta, mas JL não conseguiu acompanhar o povo que agora senta atrás de uma telinha, ele consegue fazer o mínimo do mínimo num computador. JL é um senhor muito correto, orgulhoso dos seus anos na empresa, de uma ética irrepreensível, mas o que fazer com tudo isso se ele não consegue dar um copy/paste no Excel??? Triste isso, um mundo onde a habilidade de dar copy/paste é um bem mais valioso que a ética da pessoa… mas então…

Tem quem goste de achar que os donos de empresa, CEO's e presidentes de empresas holandesas são mais humanos que no Brasil, mas não, a verdade é que as leis trabalhistas aqui protegem mais o cidadão que no Brasil, e num determinado momento alguém lá no RH, que sabe muito bem dar copy/paste, calculou o valor da rescisão contratual do JL e concluiu que era mais barato continuar empregando-o. Assim, JL foi "pro banco", ele fica em casa e quando alguém tem necessidade de uma pessoa com fantástico senso de ética mas sérias limitações tecnológicas, ele é chamado.

Há um mês JL está nos ajudando no que chamamos de "back office". Ontem ele me chamou: Adriana, estou com um problema sério. Um aparte: o negócio fica muito mais dramático em holandês, mas tenho que traduzir procês. Adriana, fui vítima de um desrespeito enorme. O que foi, JL? Ele olhou pra mim, baixou os olhinhos, tremeu a boca, e levantou os olhos cheios de lágrimas ( sim pessoas, lágrimas! ): sou vítima de espionagem ( ele falando espionáááááge em holandês ainda me faz rir ). E eu: como assim JL? E só pensava em quem estaria interessado em espionar o office-boy, digo, o office-meneer do departamento? E ele: hoje eu abri meu Outlook e minhas mensagens estão lidas… Ahn? Adriáááána: faz 3 dias que eu não abro o computador (!!!), mas as mensagens de ontem já estão sem o título em bold, ou seja, alguém tá lendo meus e-mails!!! E as lágrimas corriam.

Eu respirei fundo. Vamos pensar JL. Você deu privilégio de leitura pra alguém? Ele estalou os olhos. Vamos ver se alguém mais tem autorização pra ler seu e-mail. Ele arregalou os olhos maior. Olhei no Outlook, achamos o nome de uma mulher, ele explicou que era a secretária do departamento dele. JL, ela sabe que você está "emprestado" pra compras? Ele secou as lágrimas, acho que não! Ligamos. E mulher ficou surpresa ao ouvi-lo e disse que não, ela não sabia que ele estava de volta, e que o chefe mandou ela olhar todas as segundas-feiras os e-mails dele pra ver se aparecia algum e-mail que precisava ser respondido.

JL ficou feliz de saber que a espionagem era "do bem", que ninguém estava duvidando da idoneidade dele.

E eu fiquei aqui pensando… eu achei que tinha que me preparar para lidar com o diretorzão member of the board, mas de vez em quando, lidar com o office-meneer é tão difícil quanto.

* Meneer é senhor em holandês.

4 comentários:

Eliana disse...

Ohhh dó! Quando que vc imaginou esta cena na sua vida?!?!

S. W disse...

Eu ri muito!

Ultima semana, estava conversando com a minha sogra sobre o projeto do site que farei para ela, escolhendo imagens para comprar, esse tipo de coisa. Eu usando o laptop dela. Apreveitei e dei uma olhada no meu gmail. Quando ela volta pra usar o computador, me pergunta toda assustada: Simone, o meu google desapareceu! Eu: como assim? A pagina default do google? Ela: não, o meu google!, ficou eu pensando se é o gmail que ela quer dizer, se é o buscar, se ela está chamando qualquer outra coisa de google. No fim fomos descobrir que era o o iGoogle dela, a pagina onde ela ve tudo, que meu marido ajeitou, e ela nunca saiu de lá. Foi só re-loggar no gmail dela e voilá, tava lá a pagina. Mas você precisa de ver o desespero da pessoa.

beijao

Kenia Mello disse...

Ah, só posso sentir um dó imenso desse senhor, de coração. Infelizmente, como você mesma falou, Adriana, o mundo hoje demanda outros valores, e eu digo: alguns bem piores do que a ignorância do meneer.

Daniela Santos-Hansen disse...

Hehehe beira a ingenuidade mesmo... tadinho. Isso me lembra minha mãe tentando aprender a usar o computador.. É bem difícil para eles que não aocmpanharam a evolução tecnológica :/