terça-feira, julho 12

Burn out - Post enorme, senta com o café no bule e a xícara na mão

Ontem tivemos uma reunião emergencial de staff. Temos 3 pessoas com burn-out, outros reclamando. Isso no departamento de compras.

Lá em cima, na engenharia, o negócio tá tão feio que até motim já teve.

O projeto grandão da empresa está degringolando. Ao mesmo tempo, a recuperação depois da crise está sendo rapidíssima, e ninguém estava preparado. Faltam funcionários, faltam computadores, falta espaço, falta tempo pra treinar que chega.

A pressão está alta. Eu diria que está quase nos patamares da pressão que tínhamos na minha antiga empresa no Brasil, a diferença é que lá era maior e constante, aqui é um pico e mal começou.

Nessa reunião, eu tentei não abrir a boca. O diretor perguntou a minha opinião e eu fiquei olhando pra ele e pensando, falo ou não falo?

A verdade é que eu acho todo esse pânico cultural. Holandeses não estão acostumado com stress, com pressão, com cobranças. Eu fico pensando na vida do brasileiro, mesmo que minha experiência seja apenas a de uma brasileira da classe média, quando é que nós vivemos sem pressão, sem cobranças? Na escola fica a mãe cobrando notas, tem que ser sempre de 8 pra cima. Quando a gente tá terminando o "ginásio" fica aquela aterrorização sobre o "colegial". Você começa o segundo ano do colegial e todo mundo já tá falando de vestibular. O ano do vestibular é o pior da sua vida, não só você tem que decidir, aos 17 anos, o que vai fazer pro resto da sua vida, como tem que passar na maldita faculdade, de preferência na "Ivy league" brasileira. Daí vem a pressão por um estágio numa empresa de renome, e a almejada "efetivação". Pra mim, esse ano de estágio foi um drama terrível, ano de crise, a empresa mandando meio mundo embora, terrível mesmo. Quando recebi a notícia que eu ía ser contratada, sentei na escada de casa e chorei, chorei não de alegria ( ok, de alegria também ) mas de alívio: eu estava empregada! E depois disseo tiveram os facões, a primeira apresentação pra um diretor em inglês… Aos 22 anos de idade eu já era uma expert em "aguentar o tranco".

Aqui na Holanda há uma aceitação melhor para aqueles que não tiram apenas 9 e 10 na escola, logo menos pressão. O ginásio é curto e o colegial comprido, e apesar de ter já super cedo uma separação no tipo de escola que você vai seguir ( aos 12 anos os melhores alunos vão pra um colegial "mais forte" ) a sociedade aceita bem quem vai pro colegial médio ou o mais baixo, pelo menos é essa minha experiência com meus colegas de trabalho. Eu acho engraçadíssimo que, enquanto os brasileiros estão se esfalfando e traçando mil estratégias pro vestibular ( o da Unicamp tem mais conhecimento genérico e vc tem que ler jornal, o da USP é mais técnico e você tem que ter estudado em escola particular, se vc quer entrar no ITA tem que fazer cursinho no ETAPA ) aqui eles se arrancam os cabelos do requenguela do exame final. Todos os anos há uma revolta sobre a prova A ou B, que tiveram questões dificílimas, e milhares de estudantes ligam pro órgão encarregado pela prova ( a prova é nacional ), naquela semana do exame, a revolta dos estudantes sai sempre na primeira página. Mas depois do exame, acabou.

Meu marido estudou na melhor universidade do país pra área de engenharia de software. Ele se formou no "colegial", foi na universidade, preencheu um formulário, tava matriculado. Exitem profissões mais disputadas, mas até onde eu sei, há um bingo de vagas ( !!! ), ou seja, depende de sorte.

No país inteiro, há uma estatística que apenas 10% dos formandos demoram 2 meses pra encontrar emprego, e eles acham muito!

No ambiente de trabalho, pode até ser que em algumas empresas haja um ambiente mais ácido e competitivo, mas nas empresas que eu trabalhei o negócio era um passeio no parque, a mentalidade "9 to 5" aqui é padrão, e 4 da tarde tem fila na porta do prédio esperando dar o minuto exato pra passar o cartão magnético e congestionamento pra sair do estacionamento.

Na semana retrasada teve um caso bizarro na engenharia. O F. ía tirar 4 semanas de férias agora em agosto. O diretorzão do departamento dele cortou 2 das semanas, já que estamos todos no tal "perído do pico". Ele foi falar com o gerente dele. O gerente dele deu mais uma semana. Ele ficou puto, digo, frustrado, porque o educado é dizer que o cara ficou "frustrated", ele tira 4 semanas de férias todos os anos e justo nesse ano que está a maior pressão, teria que se contentar com 3,  aí ele ficou tão frustrado que ficou doente, e já está a 3 semanas em casa com burnout, cujo motivo é estresse por não poder ficar em casa de férias.

No meu departamento eu observo que o cara que tem burnout não é o mais overloaded, mas o menos acostumado a pressão. Tem um que está trabalhando aqui a 8 meses e tá com burnout, ele nem saiu da fase de aprendizado ainda.

A holandesada tem a resposta na ponta da língua: você tem que ter um balanço saudável entre vida profissional e pessoal. Eu concordo. Só que eu acho que eles são inflexíveis, não trabalham 20 minutos a mais, e se o fazem é esse drama.

A solução? Contratar mais estrangeiros. Aliás, eu nem precisei dizer, parece que se tocaram aqui eu os estrangeiros são mais resistentes a pressão e mais flexíveis: entrevistei uma candidata slovaka essa semana, e ela foi aprovada, só não sei se vem pro meu departamento, estamos disputando a coitada com outros 2.

Mas aí vem a holandesada dizer que a gente tá aqui pra "roubar" o emprego deles. Ué, fica esperto mermão, moleirão do jeito que tu é, é mole pra nóis.


10 comentários:

Daniela Santos-Hansen disse...

Heheh.. isso aí Adriana.. concordo com vc!

Eliana disse...

"Pode crê, mano! Marcô bobeira, tamo na área" Eles ficam neuróticos se a coisa aperta pro lado deles, realmente não estão acostumados com o "trabalho duro".

Adriana disse...

Pior de tudo é que tem gente que pensa que eles são melhores.

Jaboticaba Preta disse...

"Mas aí vem a holandesada dizer que a gente tá aqui pra "roubar" o emprego deles. Ué, fica esperto mermão, moleirão do jeito que tu é, é mole pra nóis."


Fechou com chave de ouro!! clap clap clap

Beijocas e boa sorte no trabalho

Paty Nunes disse...

...e já está a 3 semanas em casa com burnout, cujo motivo é estresse por não poder ficar em casa de férias.
Que ironia! Vou ficar no colo da mamãe(no Brasil)por 4 semanas para "curar" meu quase "burn-out" (nem tanto!!!) em razão de ainda não ter conseguido um emprego aqui.
Desculpe o desabafo, mas isso é que me deixa "frustrated" aqui!

Line disse...

Aqui na minha empresa é a mesma coisa! Incrível como os holandeses sempre acham que estão sobrecarregados!

Se não podem tirar ons minutos sagrados pra fumar ou tomar o café, então conclui-se que estão sobrecarregados!

No início desse ano precisei trabalhar até 10 da noite todos os dias durante 1 semana porque precisava finalizar um projeto antes de sair de férias. Numa terça feira tive que mandar um e-mail, e o diretor estava copiado.
No dia seguinte ele veio me perguntar o que eu estava fazendo tarde da noite no trabalho, enviando e-mails às 9 da noite. Bom, a resposta era óbvia, mas ele não entendeu que eu TINHA que terminar o trabalho antes das férias, era responsabilidade minha! Depois disso meu gerente veio ter uma conversa séria comigo, pq estava com medo de eu ter um burn out.
Burn out por causa de 1 semana de trabalho pesado? Fala sério!

Mel disse...

Estive em férias na Bélgica em abril e me assustei ouvindo o pessoal contando do stress de pegar 20 min de congestinamento na Auroroute voltando do trabalho... Eles não têm noção do que é trabalhar 12h/dia e na sexta-feira ainda enfrentar um congestionamento de 2h pra voltar pra casa e finalmente descansar?!

Kenia Mello disse...

É isso mesmo, Adriana. Meu marido é engenheiro de sistemas e durante anos trabalhou no Brasil resolvendo múltiplas bananosas. Chegou aqui, exercendo a mesma função, e em um ano, os co-workers já o consideravam um guru simplesmente porque ele sabe agir em situações imprevisíveis que, diga-se de passagem, no atual emprego são bem poucas. Isso deixa a turma mal acostumada e quando acontecem, eles colam as placas mesmo. :)

S. W disse...

hahaah eu gostei de ler isso! Manda o emprego aqui pra nóis.

Pitada de sal disse...

Eba!!! qual eh a empresa que vc trabalha ein?! posso mandar um cv?