segunda-feira, julho 19

Nem aqui nem acolá

Um ponto comum em todos os blogs de imigrantes é a adaptação no novo país. Aprender uma nova língua, encontrar um emprego, começar a entender os costumes locais, os primeiros anos são cheios de novas descobertas e frustrações.

Via de regra nós, os imigrantes, estamos sempre nos perguntando "será que um dia me integrarei totalmente?", e aquela diferença entre nós e os locais está sempre ali nos cutucando, lembrando a gente que você tira a pessoa de São Bernardo mas não tira São Bernardo da pessoa.

Essa semana que eu passei na Inglaterra, fazendo treinamento exclusivamente com ingleses da "sister company " me mostrou que mesmo que eu às vezes pense o contrário, eu já estou beeeem adiantada no processo de "holandeirização". Gente, que choque cultural!

Aqui na Holanda eu sou a "emocional" do departamento, sou eu que ainda fico puta quando um fornecedor tenta me passar a perna, ou fica brava quando eu peço pra um departamento executar uma tarefa e eles respondem que vai demorar 3 meses, ou que briga pelos interesses de um fornecedor. Minhas reações emocionais são 10% do que foram um dia, e no Brasil eu seria considerada um robô, mas aqui eu ainda sou "a brasileira". E vejam, não estou reclamando, porque eu melhorei o máximo que dava pra melhorar, e o restinho que ficou é respeitado pelos meus colegas e muitas vezes é até elogiado, vide a promoção que eu tive esse ano. Eu aceitei ser "a diferente" e eles aceitaram que eu sou "a diferente", e a gente faz piadinha uns dos outros e a vida segue. Sonho ainda com a total adaptação? Não. Tá bom assim. Eu não me sinto violada e pressionada a "esquecer" minha bagagem cultural, eles acham interessante trabalhar com alguém "tão" diferente.

Chegando na Inglaterra, acreditem se quiser, depois de 2 exercícios em grupo, fui descrita como "objetiva demais, desprovida de emoção, que não mistura vida pessoal com trabalho". Juro que tive um acesso de risos.

No primeiro exercício a proposta era escolher um membro dum grupo de 5 pessoas, detalhar o "getting ready for work" segundo por segundo, e reduzir o tempo que a pessoa leva para se aprontar em 30%. Escolhemos uma "moça" que tem um filho de 3 anos e mora a 30 km da empresa. O "getting ready for work" dela tinha bem poucos "desperdícios" ( waste ), talento que só quem tem filho parece ter. Cortamos o "snooze", e a solução pra chegar nos 30% era ou a menina não tomava banho ou arrumava alguém ( o marido? ) pra levar o filho pro day care. Eu propus 3 soluções: o marido leva o filho, encontra-se um daycare que busca a criança ( disseram que não existe no UK ), ou contrata-se uma aupair. TODOS do grupo disseram que não era "justo" privar a mãe do contato matinal com o filho, que não era justo indiretamente "culpar" o marido pelo tempo extra que a moça leva pra ficar pronta por causa do filho ( o marido podia dar café pro filho, preparar a "mochila" dele, mas o cara é workaholic e tem que chegar ultra cedo ao trabalho ). No fim, o grupo preferiu não propor nenhuma solução a propor as que eu sugeri.  Cheguei aqui hoje e perguntei pro mentor holandês qual era a solução pro problema no curso holandês, e ele me respondeu que quando se tratava dum empregado que leva a criança pra escola / creche, era SEMPRE uma das 3 propostas que eu apresentei.

No segundo dia do curso, o exercício era voltar ao "getting ready for work" e usar a técnica dos 5 porquês e contra-propostas.

Eu uso o snooze do despertador.

Porquê?

Porque ainda me sinto cansada.

Porquê?

Porque vou dormir muito tarde.

Porquê?

Porque depois que meu filho dorme ainda tenho muitas tarefas domésticas pra fazer.

Porquê?

Porque não temos empregada e certas tarefas meu marido não faz.

Porquê?

Não podemos pagar empregada e certas tarefas domésticas ele não executa bem ( passar roupa, cozinhar )

Contra-proposta: Vender o carro caro ( Range Rover ) e comprar um econômico para economizar seguro e combustível para pagar uma empregada ou o marido aprende a cozinhar / passar para dividir melhor as tarefas.

Novamente o grupo preferiu não terminar o exercício. Um senhor concordou com a proposta do carro. Os outros 4 membros do time ( incluindo a moça ) acham que ambas as soluções insatisfatórias, que não é "justo" vender o carro da família para gastar com a empregada que é muito supérfluo, eu contra-argumentei que um carro mais econômico a levaria ao trabalho da mesma forma e no mesmo tempo ( o marido vai de metrô ) e abriria espaço no budget da família pra pagar a empregada, e que essa empregada poderia fazer tarefas que a moça não precisaria mais fazer e poderia então dormir mais cedo e adicionar quality time com o filho na rotina diária dela. Ainda assim não concordaram, e um dos rapazes se levantou e saiu da sala dizendo que se recusa a apontar "sempre" filhos ou cônjuge como raiz de todos os problemas. Eu fiquei lá sem entender.

Em vários aspectos eu acho que eu teria aprendido mais se eu tivesse feito o curso aqui na Holanda. Aqui o povo é mesmo mais objetivo. Tenho certeza que mesmo que as propostas apresentadas não fossem a escolha pessoal deles, eles seriam objetivos o suficiente para ver que a ideia proposta resolve o problema e o exercício teria sido terminado.

Estou escrevendo esse postão aqui, que nem sei se todo mundo vai ser ou entender, mas é que saí do curso super frustrada, é um curso caríssimo, sem falar que eu tive que ficar a semana toda longe de casa e do escritório, e não sei se aproveitei 100% dele. Já falei que nunca, nunca mais reclamarei dos meus colegas holandeses. Acreditem se quiser :o)

10 comentários:

Adriana disse...

eu acho que holandezei tbm...oq concordo com as propostas. O povo reclama do cansaco, e não aceita a ajuda?

Joaninha Bacana disse...

De repente o fato de você ver que os colegas holandeses sao muito mais fáceis de trabalhar do que com os ingleses já acabou fazendo o curso valer a pena :-D Eu tenho um colega chinês que nao é mole: demorou aaaaaaanos até conseguirmos trabalhar juntos sem querermos esgoelar um ao outro :-)
Bjs, Angie
P.S. Minha irma está de visita e fomos até a Etam no final de semana - ela tbm adorou sua dica, obrigada :-)))

Felipe Rogério disse...

Olha Dri,não sei não,mas acho que esse pessoal ai que você fez o curso,não regula muito bem.
Não aceitam nenhuma sugestão :S
Abraço

Wilma disse...

Li no jornal uma entrevista com a Wendy Guerra e me assustei quando ela afirmou que voltou a viver em Cuba: "...escolhi ficar porque acredito que pessoas que não vivem no país onde nasceram são menos felizes". Você concorda? Depois vou reler seu post pq estou sem internet em casa e preciso de mais concentração e aí comento seu post que me pareceu interessante. Voltarei.

Daniela Santos-Hansen disse...

Menina que povinho mais chato esse... entendi todas as suas escolhas e concordei com elas, pq os ingleses não conseguiram??

Praticidade é algo que eles não conhecem? E filho é dos dois.. ou lá eles fazem diferente?

Eliana disse...

É, fiquei assustada...mesmo que na prática as coisas não aconteçam desta forma, em teoria podiam ter sido consideradas pois como vc disse os exercícios teriam sido resolvidos. Ohhh gente saindo da sala e tudo...gente...a coisa pegou fogo hein! haha

maria disse...

mto interessante seu post ; com voce estou conhecendo um pouco do povo holandes. gosto da maneira como escreve. achei correta sua proposta do carro.

S. W disse...

Há eu holandezei em outras coisas, só vi o choque quando cheguei no Brasil.

Marcia-Rotterdam disse...

Objetividade não é mesmo o forte dos ingleses, vivi anos lá e nunca entendi direito o modo que pensam...povo doido. Agora não sei porque te enviaram lá para fazer isos, já que no dia a dia você terá que lidar com situações na Holanda!

Alice disse...

U-Huuuuu! Lendo os atrasados depois das férias sem internet que se preza...