terça-feira, julho 20

O doente

Eu nem me lembro mais se já falei do doente do meu departamento. Na dúvida, vou sumarizar: é um rapaz novo, começou aqui 3 meses antes de mim, e no prazo de 18 meses ele "called in sick" 97 vezes. A história é que ele tem um problema de estômago que nenhum médico ( holandês ) consegue encontrar, estão agora achando que é intolerância a algum alimento. Nós, os colegas, achamos que é doença de fundo nervoso, porque é só o negócio apertar e ele fica doente. Ultimamente o negócio andava insustentável, porque ele ligava pra secretária na manhã da segunda dizendo que estava doente, e sumia a semana inteira, a gente ligava pra perguntar um detalhe ou outro, ou uma senha, e ele nunca atendia o celular, ou respondia SMS, ou mandava um e-mail sequer. Nem uma pessoa em coma fica tão incomunicável como ele.

Ele não finge a doença, ele fica doente mesmo, a gente percebe. O médico da empresa o examinou, viu os laudos e exames do médico do colega, e atestou que o cara tá doente mesmo. Entretanto, porque não dá pra continuar levando o departamento com essa âncora, ele foi convidado para uma conversa séria, e ali foi dito que a performance dele estava muito aquém da média do departamento, que a empresa gostaria de, amigavelmente, terminar o contrato dele. Esse amigavelmente é suposição minha, visto que foram-se quase quatro meses entre a decisão e o último dia dele. Aliás, descobri que aqui na Holanda não existe a "carência" de 6 meses depois de uma doença pra mandar o funcionário embora.

O colega concordou que ele não tem mesmo o perfil do departamento, aceitou qualquer proposta que tenham feito. Semana passada foi a entrevista demissional dele, essa semana é a despedida. Eis que nessa semana o departamento está recheado de gente do departamento médico, do departamento de higiene trabalhista, do RH, e o diretor chamou os 4 gerentes para nos explicar a situação e recomendar o que dizer pros nossos funcionários. Nosso departamento foi classificado como "ambiente hostil". Várias pessoas que saíram relataram os mesmos problemas: carga de trabalho muito pesada, pressão por resultados, muitos assuntos diferentes pra lidar ao mesmo tempo, departamento apertado e muito barulhento, entre outras coisas. E cêis tão ligados que holandês não tá lá muito acostumado a pegar pesado no batente, né?

E o colega, o que vai fazer da vida? Já arrumou outro emprego ( eu disse que a economia aqueceu bem aqui ) como "avaliador de equivalência profissional". O negócio é assim: tem essa empresa especializada a equivaler a experiência profissional a diplomas holandeses. O cara que não tem um diploma formal mas tem váááários anos de experiência numa área vai lá nessa empresa, eles fazem uns testes, avaliam os "job descriptions" dos empregos anteriores da pessoa, e emitem um grau de equivalência, tipo "MBO" ( escola técnica ) ou "HBO" ( bacharelado ). Achei bizarro ter uma empresa que faz isso no país, achei bizarro esse "laudo de equivalência" valer o mesmo que um diploma, achei bizarro alguém que um dia achou que podia ser um comprador ir passar seus dias estudando CV's e fazendo entrevistinhas.

Aliás, achei o caso todo bizarro, porque foi a primeira vez na Holanda, em 8 anos quase, que vi alguém ser demitido.

E boa sorte pro colega doente. Que a troca de emprego seja a cura pro mal que ele sofre.

2 comentários:

S. W disse...

Acho que o meu cunhado holandes sofre de algum trauma de trabalho também, ele trabalhava dia sim, semana não, mas ele foi mandando embora, alias em um dos empregos foi em 2 semanas. Mas eu ficava impressionada, eu ia pro trabalho com gripe, com infecao de urina, só porque nao tinha ninguem pra fazer o meu trabalho, tinha que ir, ele espirrou, passa uma semana jogando video game em casa :(

Jaboticaba Preta disse...

La onde trabalho ja mandaram embora uma gravida em plena gestacao...

Agora, que eh surpreendente a quantidade de vezes que os nativos ficam "doentes" isso eh.