sexta-feira, março 13

Inho inho inho

Eu tenho uma teoria, que muitos não gostam, aliás.

Quando a gente imigra pra cá, tem uma série de "quesitos" que o responsável holandês tem que preencher. Ter um endereço, emprego com contrato fixo, ganhar 20% acima do salário mínimo. Eu acho que lei semelhante deveria ser criada para quem quer ter filhos. Sei lá qual seria a forma de controle ou punição, mas que deveria haver um sistema, isso devia.

Eu acho que o casal só deveria ter filhos quando tivesse uma casa própria. Eu acho que o casal só deveria ter filhos se tivesse um montante X na poupança. E que o casal deveria ter uma renda mínima X.

Uma das minhas tias viveu 22 anos de aluguel. Quando meus primos eram pequenos, começavam a se adaptar a uma escola, fazer amiguinhos, já tinham que mudar porque o dono pediu a casa, ou porque não concordaram com o aumento do aluguel. Eu e meu irmão, que sempre moramos na mesma casa, temos até hoje os amigos de infância, as famílias até se tornaram amigas, um é padrinho da minha sobrinha. Mas meus primos não tem nada disso, os coleguinhas foram ficando pelo caminho antes de virarem "amigos pra vida toda". Triste isso.

Outro tio nunca teve emprego fixo, queria ser "chefe dele mesmo". E sem renda fixa, não havia planejamento. Um dia, chegávamos lá e as crianças estavam chorando porque tinham comido arroz com ovos a semana toda, noutro dia minha tia estava fritando 1 kg. de bifes para 4 pessoas: ah, estamos morrendo de vontade de comer carne, fazem 2 semanas que não vemos carne. E minha mãe aconselhava: coma um bife cada e guarde o resto, ou com a grana compre frango, carne moída, para não passarem o resto do mês a base de ovos. Mas a resposta era sempre a mesma: ah, agora a oficinazinha "tá dando". Duas semanas depois as crianças estavam chorando de novo...

E quem quer ter filho, tem que ter uma reservazinha de dinheiro. Crianças adoecem, um carro quebra, uma geladeira pifa, emprego perde-se, e quem sempre paga o pago são as crianças. Meu pai sempre socorria um parente "precisado". Pagavam sempre, em suaves prestações, mas se não pudessem contar com a ajuda de alguém da família, íam ter uma vida bem difícil. Eu já tive que sair de casa beirando a madrugada pra ir dar cheque caução pra internar minha prima num hospital infantil. Os pais fazem cag*** e as crianças é que pagam o pato.

No fundo no fundo, o povo deveria é ter bom senso. Só isso.

E no Brasil, a gente pensa, ou pelo menos na minha família pensamos, que a gente deveria dar aos filhos o mesmo que tivemos ou mais. Meu irmão às vezes se queixa que ele se esfalfa tanto pra dar o que "a gente não teve" e que a piscina, por exemplo, fica dias e dias sem ser usada.

Aqui na Holanda, meu conceito sobre os meios financeiros necessários pra criar um filho mudaram muito. Continuo achando que casa-emprego-poupancinha são fundamentais, mas alguns dos meus colegas tem contado as infâncias deles, e estou revendo meus conceitos.

M., de 24 anos, conta que o pai era padeiro e a mãe dona de casa. No Brasil, padeiro ganha salário de fome, mas aqui é uma profissão normal, remunerada como qualquer outra. Ele diz que teve uma infância sem muito dinheiro, mas perfeita, em todos os sentidos. Sempre moraram na mesma casa e os 3 meninos dividiam um quarto. Esperavam ansiosos abril e maio chegar para colher aspargos e morangos na chácara do vizinho e ganhar um dinheirinho ( hoje muita gente torceria o nariz para o "trabalho infantil"). Uma vez por mês íam ao cinema, e os 3 tinham bicicletas pra ir pra escola, claro. Hoje os 3 são engenheiros, vivem felizes. Aqui, isso é possível, no Brasil, será?

Às vezes penso que aqui na Holanda a pobreza pode até ser "romântica", no Brasil, geralmente tende à tragédia. Mas isso sou eu, tem gente que acha que no Brasil tudo é possível, ainda que casos de gente que saiu de uma família pobrezinha e se deu super bem sejam gigante minoria ( eu conheço uns pares e olha lá ).

Aqui, uma criança não depende dos meios financeiros do pai pra ter acesso a certas coisas, tipo uma escola de inglês, um curso de piano / balé, ir à um museu. Normalmente tem tudo à disponibilidade na escola, ou não vivem assim tão apertados que não possam pagar uma escola de dança. Já no Brasil, na minha família mesmo vê-se que por termos tido acesso à melhores escolas e cursos complementares, eu e meu irmão tivemos também oportunidades melhores na vida. Acredito que um dos filhos da Janilda vá ser médico? Jamais diga jamais, mas muito provavelmente jamais.

E todo esse post foi só mesmo pra contar a história do M. que é tão bonitinha e me foi contada de uma forma tão encantadora, que me deu até um pouco mais de fé na raça humana.

E tá solzinho ( inho inho inho ).

5 comentários:

For a life less ordinary disse...

Amei o post. Não sou blogueira, mas gosto de ler blogs inteligentes, como o seu. Minha opinião é que no Brasil há uma certa cultura do "é bonito ser pobre", há um culto ao "coitadinho" que acho o fim... Além disso há os pobres "orgulhosos" e "arrogantes", que não aceitam uma opinião, uma sugestão e acham que está tudo bem, a vida é ótima assim. Retratos do Brasil... Gosto do seu post que fala da "garra" dos brasileiros, das histórias de vitórias na adversidade, e como é raro ter estas histórias de "aventura" na Holanda. Concordo 100%. Porém aqui ninguém divulga muito estas histórias, ninguém vende histórias de sucesso e sim do cara coitadinho...Enfim...a história de M. é sweet... Anita

Anônimo disse...

Dri adoro seu blog penso que o problema no Brasil e não ter o básico garantido qual a nossa escola pública que prepara para uma faculdade até tem muito poucas a maioria é sem professor e sem aula também sáude algtuns hospitais públicos funcionam conta~se nos dedos por isso aqui temos que ter segurança sim meu filho tem uma doença genética rara temos eu e meu marido que arcar com medicação importada e todo o tratamento e ainda pagar imposto de renda falam vá a justiça sim um mes tem , outro não tem e a criança precisa de remédio todos os dias ainda bem que tinhamos uma reserva se não essa criança não estaria mais aqui bjs prá ti e felicidades .

Anônimo disse...

Eu não sou muito de teorias para ter filho pq se a Rafa tem só três anos e eu já acho que errei tantas vezes … tenho certeza que em menos de dois meses mudaria de idéia.
Emprego fixo e “bem” remunerado – extremamente necessário. O mais importante é vc ter uma base sólida para poder criar seu filho com tranquilidade.
Poupança – eu não abro mão. A MINHA poupança e a poupança da Rafa pq vai saber deos onde eu vou estar quando ela fizer 18 anos!!
Casa própria – eu tb achava que tinha que ter, mas acho que depende mais da vida de cada um. Eu morava em Vix/ES, em um apartamento que minha sogra comprou para deixar lá parado no qual poderíamos morar … a Rafa tinha 3 meses quando tive que mudar para SP pq marido tinha sido transferido. Rafa tinha 1 ano e 3 meses quando marido foi transferido pra Bélgica. Na Bélgica já mudamos duas vezes mas agora pretendo ficar onde estou por uns 4 anos e depois decidir se voltamos pro BR ou não. Lembra do apartamento do ES?! Aquele que era “próprio” e fixo?! Ficou lá, parado e vazio … nos serve quando vamos passar férias em Vitória.
O que me assusta no BR é o valor de tudo que é extra e de qualidade! Escola em SP –onde eu morava- tá em torno de 1000 reais, ainda tem inglês, natação, balé, empregada (pq lá a escola não é o dia inteiro) e transporte escolar. Aqui a escola é pública, as crianças vão pra escola de bicicleta e tem creche-auxiliar onde vc deixa seus filhos se tiver que trazê-los antes do horário e a mesma creche tem um ônibus disponível para as crianças cujos pais não podem buscar às 15:35.
Querendo ou não … com ou sem inverno xexelento … a infância aqui parece mais tranquila, mas ter filho ainda deveria exigir maior responsabilidade.

Marcia-Rotterdam disse...

Se todos pensassem assim, acho que pouca gente teria filhos no mundo hehehe.
Sobre o aluguel: aqui isso é diferente, ou era. Antes, ter casa própria aqui era privilégio dos mais ricos. O resto ia para o sociale woning. E muita gente ficou nesse esquema, já que muitos aluguéis não podem ser reajustados e então vivem numa casa grande por, tipo, 250 euros por mês! Ou em ótimas áreas de Amsterdam, pagando uma ninharia. O aluguel era o padrão normal, aqui não havia essa coisa do Brasil de que aluguel é coisa só de pobre. Veja as pessoas mais velhas daqui, as chances são boas de que a maioria mora numa sociale woning. As pessoas tratam as casas como se fossem delas, com decoração própria, e reparos estruturais são feitos pela woningcorporatie ( desculpem leitores de outros países, não me lembro das palavras em português para essas coisas).
Só que como sabemos o sociale woning aqui virou mesmo coisa de pobre, ficou bem inacessível, com fila de espera enorme,e a maioria das casas construídas são para venda mesmo. Mas com essa crise eu não duvido que o aluguel social volte com força, pois as casas vão perder valor e as pessoas estão comprando bem menos. Eu li em um jornal inglês que o governo de lá fez uma previsão de que 4 milhões de pessoas iam precisar de casas de aluguel social pois vão perder a casa própria na crise. É assustador!

Holandesa disse...

Dri,
Como vc sabe, eu sou uma pessoa que também gosta de planejar e estar preparada para adversidades. Só fui ter filho quando eu me sentí realizada profissionalmente (o nível de realização pode ser diferente tb de pessoa p/ pessoa), fiz uma mega-viagem, realizei sonhos de infância que com filhos não seria possível ou fácil de se realizar e tivesse uma boa base ("casa", cv para conseguir um bom emprego, etc..). No entanto, eu discordo plenamente com vc quando vc diz: "Eu acho que lei semelhante deveria ser criada para quem quer ter filhos. Sei lá qual seria a forma de controle ou punição, mas que deveria haver um sistema, isso devia."

Vc teve um (ou mais) exemplos ruins na sua família, mas isso não quer dizer que todo mundo é assim. É verdade que no Brasil boa parte do povo é ignorante e não sabe determinar as prioridades, mas nem lá, nem aqui, a tua teoria funcionaria, por que basta vir uma crise econômica como a que vc já falou várias vezes para saber que emprego com contrato fixo se perde, casas "próprias" são colocadas à venda (e muitas não conseguem ser vendidas! Bye bye poupança, bem-vindo à dívida!) e assim vai... Qual seria a punição dos pais, por causa disso?!
É aquela velha estória: garantia e certeza na vida, só se tem uma: a da morte.(sem bem que nem o dia e a hora vc não sabe!)...

Pelo menos, vc termina o post dizendo que está revendo os seus conceitos e que ainda há esperanças para a raça humana...