terça-feira, setembro 15

Adriana pensativa

Desde criança eu fui ensinada que eu tinha que exceder. Na pré-escola eu era a que aprendia as musiquinhas mais rápido, fazia os desenhos mais bonitos, e aparecia sempre num lugar de destaque nas dancinhas e pecinhas do dia das mães.

Não pensem que eu sou super gênio e nem que fazer algo bem vinha naturalmente, eu treinava muito. Treinava porque era sempre, apesar dos 5 anos de diferença, comparada ao meu irmão. E ele sim era um gênio. E o meu irmão, alé de gênio, era adorável, aquela criança quieta, obediente, introspectiva, que dava trabalho zero para quem quer que fosse. E loirinho, imagine só! Eu era uma peste, então tinha que, ao menos, ser uma peste inteligente.

E não pensem que eu era comparada ao meu irmão quando ele estava na mesma série que eu estava, na na ni… Minha mãe pegava meus ditados e dizia: tá vendo, você errou esse acento, teu irmão já faz um ditado de página inteira sem erro nenhum. O detalhe é que eu estava na segunda série e ele na sexta. Mas minha mãe não fazia por mal, "she didn't know better". Não a culpo ( muito ).

Já adulta, a meta era ser gerente, diretora, presidente ( ! ) da empresa. Aliás, apesar de eu concordar que meu caso era um caso à parte, acho que no Brasil todos nós somos educados a ter essa ambição de subir na carreira, não importa qual seja nossa profissão. Acho que vem da falta de estabilidade econômica, e a falsa idéia de que no caso de uma pindaíba, vão-se os peões e ficam os caciques. Nos quase 10 anos que eu trabalhei na GM, nunca ouvi ninguém falar "quero ficar aqui bonitinha no meu carguinho, fazer meu trabalho e ir-me embora". Todo mundo sempre queria ser promovido, escalar a escada corporativa ( ó que termo brega ). Até porque ser promovido aumenta o salário, e din-din nunca é demais ( não é isso que ouvimos à torto e direita no Brasil? ).

Chegando aqui, claro que minha busca ao emprego dourado se restringia a posições que fossem me dar a chance de crescer. Isso triplicou a dificuldade de achar um emprego. Se vocês forem ao blog antigo e lerem os comentários daquela época, vão ver o quanto me aconselharam a procurar um emprego mais simples, "começar de baixo", etc etc etc. Mas sinceramente, naquela época, um emprego mais simples iria me fazer tão infeliz quanto o desemprego. É difícil mudar comportamentos depois dos 30 anos. Eu tinha ainda muito o que pensar e repensar, aliás imigrar é uma viagem doida ao auto-conhecimento, e quem não mudar, vai sofrer.

Aqui na Holanda, é muito comum as pessoas, especialmente mulheres, terem um emprego pra ajudar no orçamento doméstico, sem a menor ambição de ganhar mais, de subir na carreira. Eu trabalhei com uma menina na primeira empresa que, apesar das inúmeras ofertas de começar a ser treinada em compras, preferiu ficar numa função básica de digitadora. Ela dizia que iria trabalhar até que o seu namorado ( hoje marido ), subisse na carreira o suficiente pra poder dispensar o salário dela, e ela iria então "cuidar da casa". Eu juro pra vocês, que apesar de gostar muito dela, me incomodava imensamente que em pleno século 21 ainda tivesse mulheres que pensassem assim, como se estivessem no século retrasado.

Eu tenho mil idéias a esse respeito, e esse post enorme ficaria homérico, mas basta dizer que depois de pensar e repensar muito, cheguei à conclusão que o mundo é como é. E pronto. Eu sou prova de que chegar aqui, mesmo com grau universitário e um CV lindo-e-maravilhoso, não garante emprego fácil pra ninguém, e tem gente que simplesmente não está a fim de encarar a ralação de fiofó nas pedras, ou não tem estrutura, ou não acha que o pote de ouro no final do arco-iris compensa o sacrifício.

E como eu disse, o mundo é como é. Tem gente que vem mesmo pra se encostar no gringo, ficar em casa, ter filhos, cozinhar batatas e lavar cueca suja, e apesar de eu não ser fã da idéia, se tá bem pra pessoa, se tá bem pro gringo, quem sou eu pra criticar.

**** pausa pra contar histórinha ****

Conheci um gringo casado com uma brasileira na empresa anterior, feio feio feio de dar dó e de cortar o coração. Ele dizia que a esposa brasileira foi um gigante upgrade pra ele. A primeira esposa, holandesa, não trabalhava, cozinhava mal, cuidava "do jeito holandês" da casa, entenda-se que a única faxina decente que a casa via era aquela no começo da primavera, e assim que teve filho tosou o cabelo e "perdeu a vaidade". Se separaram, ele casou com a brasileira, teve 3 filhos, ela manteve o cabelão, era bonitinha - toda mignon, nas vezes que eu a vi estava razoavelmente maquiadinha e bem vestidinha, segundo ele a casa brilhava. Brasileira feliz, gringo feliz, quem sou eu pra falar algo. E sinceramente, feio do jeito que era, jamé de lá vie que ele ía encontrar uma holandesa marromenos bonitinha.

**** fim da histórinha ****

E tem quem venha com outras prioridades, mas ainda precisa ajudar no orçamento, então embarca num emprego mais simples, menos dias por semana, pra ter seu salariozinho e ainda ter tempo de se dedicar à família. E tem quem venha com a ambição, como eu, de retomar suas carreiras, de crescer na profissão que escolheram.

E dentro desse contexto, ontem tive a minha avaliação annual aqui no trabalho. O diretor começou perguntando qual era o meu plano para o futuro: ficar onde estou, felizinha com meu emprego e me mantendo assim, trabalha alguns anos e sair da empresa ( pra alguma outra ou para ter filhos ), ou fazer carreira aqui. Eu jamais havia pensado que íam me perguntar isso um dia, e fui pega totalmente de surpresa. Naquele instante, com o diretor olhando ali a minha reação, tive vários flashes, e me perguntei se, já que eu estou tão feliz com a minha carreira, não seria hora de parar, aproveitar, talvez ter um bacurim, ou adotar mais um gato, ou aprender a tocar oboé… Mas a verdade é que eu seria absolutamente infeliz, ver todo mundo evoluindo, crescendo, e eu estacada ali, pro resto da vida. Talvez se eu tivesse o bacurim eu mudasse, mas e se não mudasse? E se eu continuasse frustrada por não poder crescer aqui ( o que involve trabalhar até mais tarde, viajar a trabalho, e trabalhar 5 dias por semana ). Devolver o bacurim não tem como. No fim, acabei dizendo que quero ser a CEO da empresa, eu já tinha ido à um almoço de high-potentials e fui oficialmente adicionada ao "grupo", já fui inscrita nuns cursos, vou ter que treinar um comprador junior, e participar de uns projetos doidos, e o que era difícil vai ficar ainda mais.

E a vida segue, porque o mundo é como é, e eu sou como sou.




5 comentários:

Bia disse...

Pois Adriana, o seu post me fez pensar e muito no que eu quero/acho que quero pro futuro na vida. bjs

Liliana disse...

"Quem nasceu pra lagartixa, jamais chegará a jacaré" = Tudo de muito bom....

Eliana disse...

Acho que podemos concluir que quando queremos algo, a gente consegue! Cada um com os seus sonhos e projetos como vc bem exemplificou neste post. Claro que há que se ter talento para ser uma dona-de-casa ou uma empresária ou, ainda, as duas coisas ao mesmo tempo, não há dúvidas! Há tropeços, acertos, desafios, obstáculos, espera...mas se o objetivo está lá...provavelmente ele será alcançado. Succes!

Anônimo disse...

Sucesso prá você!!

Wilma disse...

É...o mundo é isso. Muito sucesso pra você. Adorei o texto e fez-me pensar ainda mais...