quinta-feira, setembro 24

A culpa é nossa


Eu queria hoje falar dum assunto sério, e pedir pra vocês pensarem um pouco.

A vida não tá fácil pra ninguém, ainda mais agora, em época de crise. Agora, mais do que nunca, as pessoas estão atrás de produtos mais baratos, barganhas, descontos. Eu também estou. Mas você já se perguntou se você está fazendo a coisa certa?

Um dos maiores gastos do orçamento de cada um são os gastos com comida. Aqui na Holanda, cada vez mais gente vai a supermercados baratos como o Aldi e Lidl, e as pessoas que, como eu, gostam dos supermercados maiores, como o Albert Heijn, procuram nesses mercados as marcas mais baratas, no caso do AH, a Euroshopper, que tem praticamente tudo o que se encontra num Lidl. A qualidade desses produtos não é ruim, o que leva a maioria a pensar que comprando os outros produtos, paga-se mesmo é pela embalagem e pelo nome. Mas eu pergunto: alguma vez você leu as letrinhas miúdas da embalagem do Euroshopper, ou dos produtos do Lidl pra ver de onde aquele produto vem?

Essa semana produtores de leite holandeses jogaram milhares de litros de leite no rio, em protesto ao preço do litro do leite pago ao produtor, € 0,20. Eu lembrei que paguei € 0,29 num litro de leite Euroshopper, e como pode, 9 centavos pagar transporte, pasteurização, engarrafamento ( é um leite em garrafa plástica ), etiqueta, caixas de papelão e distribuição no supermercado? Aí fui olhar as letrinhas e tava lá: produzido na Polônia. Explicado, o produtor polonês provavelmente recebe 10 centavos pelo litro, e não vinte. E daí a pergunta, porque é que o polonês (sobre)vive com 10 centavos e o holandês precisa de 20? E a resposta é óbvia: impostos, níveis salariais, energia elétrica, tudo é mais caro aqui.

Um dos maiores problemas são os altos salários do norte europeu comparados com outras regiões. E é aí que eu acho que nós, que moramos na Holanda, Alemanha, UK, Suécia, Dinamarca, etc etc etc cometemos um gigantesco erro. Nós queremos os benefícios trabalhistas que outros países não dão ( férias de até 40 dias, seguro desemprego que paga 70% do salário, licença maternidade de 4 a 6 meses ), queremos os benefícios sociais que outros países não dão ( subsídio para pagamento de casa própria, subsidio para plano de saúde, escolas gratuitas, auxílio-escola, etc etc etc ), mas não queremos pagar o preço dos produtos locais, que refletem os custos dos benefícios acima. Na hora que a dona de casa tem que colocar a mão no bolso, ela vai pro Lidl, onde os produtos todos vem do Leste Europeu, Turquia ou Alemanha, e manda os eurinhos dela pros cofres daqueles países.

Na época daquele escândalo da GAP ( a empresa usou mão de obra infantil na India para bordar blusinhas ), uma jornalista britânica perguntou: mas e a consumidora que viu uma tunicazinha de bom tecido, bordada à mão, à venda numa loja da Highstreet, não achou que havia algo de suspeito com o preço de 16 libras? E se você for pensar, é verdade, se a gente for fazer uns cálculos, umas 4 libras de tecido, 1 libra de pedrinhas, uns 50 pence de linha, etiquetas, cordinhas; mão de obra pra costurar, mão de obra pra bordar, transporte, à preços normais europeus, não paga nem o custo mesmo! Mas daí, a gente sempre se esconde no argumento de que quem paga caro paga marca, e eu até concordo quando estamos falando duma calça de 200 euros da Diesel, ou numa camiseta de 90 euros da Hugo Boss, mas quando falamos de marcas mais acessíveis, não se paga marca não. E o que acontece é que, para sobreviver e poder competir, essas empresas acabam comprando tudo da Asia, India, até do Afeganistão eu já vi roupas. Nessa mesma matéria, a tal jornalista fez uma pesquisa na rua e mostrava uma camiseta e falava: a loja oferece essa camiseta produzida na Índia por 15 libras e a mesma camiseta produzida na Inglaterra por 20 libras, qual você compraria? E nínguém, nem uma viva almazinha respondeu que compraria a produzida na Inglaterra.

Nos EUA e UK, já começou um movimento pela compra de produtos locais. É muito difícil evitar os importados de "low cost country" quando vamos comprar roupas, brinquedos, coisas pra casa, porque muitas vezes não achamos roupas que nos agrade, que sirva, e que seja produzido localmente. Mas para produtos alimentícios é totalmente possível. Eu não compro mais as marcas mais caras, mas também evito ir ao Lidl, e só compros os Euroshopper produzidos aqui. A solução pra mim tem sido comprar produtos "marca da casa", sempre de olho no lugar onde são produzidos. O leite euroshopper foi substituido pelo leite AH, e tantas outras coisas. Minha conta no mercado aumentou um pouco, mas não é de assustar ou passar fome. Tenho certeza que estou fazendo a coisa certa, só gostaria de ver mais gente fazendo o mesmo.

Agora deixa-me ir tomar minha Coca Zero ( infelizmente produzida na Bélgica, mas é difícil evitar alimentos da Benelux aqui ) e comer meu pão Goede Begin com queijo Beemster.


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