quinta-feira, janeiro 14

Monalisa Smile

Ser imigrante é muitas vezes sorrir e calar.

A "partner" do colega de trabalho que senta ao meu lado está grávida. Hoje ele estava ao telefone reclamando nem sei com quem que o pacote de parto em casa ainda não havia chegado. Ao acabar a ligação ele me perguntou se no Brasil as mulheres tinham parto em casa.

Eu disse que só se fosse um acidente e não desse tempo de chegar ao hospital, pelo menos que eu saiba. Ou talvez em cidadezinhas muito do interior e muito subdesenvolvidas.

Holandeses, ainda mais novinhos como meu colega, normalmente defendem o parto em casa com unhas e dentes. Ele fez toda a propaganda e eu ouvi. Sorri e quase calei.

Contei pra ele a histórinha que acho que nem aqui eu contei. Pega um café lá, que é meio longa.

Vocês sempre me ouvem falar do meu irmão, o Alexandre ( Xan ). Ele é quase 5 anos mais velho que eu. Fomos 3 filhos, Xan, Ricardo e eu.

Ricardo era um ano mais velho que eu. Quando minha mãe estava grávida de 7 meses e pouco ( não sei essas contas de semana ) ela teve um sangramento e foi pro hospital. Não sei detalhes porque é um assunto que sempre se evitou em casa. Ricardo nasceu prematuro, há 38 anos, seus pulmões ainda não estavam maduros, mas ele nasceu vivo. Foi levado pra encubadora, era o único prematuro do hospital, um hospital católico muito bom em SP. Meu pai já estava trabalhando numa empresa boa, tinha convênio, tinham acesso ao melhor que a classe média da época tinha. Ricardo estava sendo muito bem cuidado, e a força do menininho era tanta que até as enfermeiras começaram a acreditar que mesmo contrário à qualquer previsão, ele sobreviveria. Minha mãe diz que ele estava bonitinho no bercinho, de repente não conseguia puxar o ar, e ía ficando azulzinho, azulzinho, todos pensavam que daquela vez era, mas ele conseguia finalmente respirar. Foi assim por 4 dias. No quarto dia ele começou a ficar fraquinho, respirava com dificuldade, estava sofrendo. A freira chefe das enfermeiras conversou com a minha mãe, pediu pra ela se despedir do bebê, "deixá-lo" ir, mas minha mãe, desesperada, se recusou terminantemente, ele havia de resistir. Naquela noite minha mãe teve um sonho que era ela naquela incubadora sem conseguir respirar, a agonia, a dor, acordou e foi lá pra UTI, disse ao Ricardo que apesar do tempo tão curto ele havia sido o melhor filho que uma mãe podia querer, que ela sabia que ele tinha resistido o quanto ele podia, mas que ele descansasse. Ricardo morreu 40 minutos depois. Eu deixo a discussão filosófica do "ele ía morrer em 40 minutos de qualquer jeito" de lado, o importante é que para a minha mãe, ela fez o que deveria ter feito, ele resistiu o quanto pôde, mas que se ele não sobreviveu, não tinha jeito mesmo.

Quando tocamos no assunto, ela diz que até hoje ela se pergunta se ela fez alguma coisa pra provovar o parto prematuro: a viagem de carro pro interior de SP 1 mês antes? Ou a carona da Vila Prudente para SBC com um parente caminhoneiro? Mas nada parece ser imprudente o suficiente pra provocar um parto prematuro num bebê normal. Ela diz que o único "alento" que ela tem é que não só ela, mas principalmente o Ricardo tiveram a melhor assistência médica possível naquela época, que se houvesse uma única chance de se salvar, era ali naquele hospital.

Quando eu contei pra ela que aqui muitas mulheres optam por parto em casa, ela imediatamente reagiu: imagine no caso do Ricardo, eu ía ficar eternamente me perguntando, e se eu estivesse num hospital, e mesmo que fôssemos levados de ambulância, e se ele tivesse sido socorrido não 10 minutos depois, mas imediatamente?

Eu sei que no caso da minha mãe foi um parto prematuro, que aqui teriam levado a parturiente imediatamente pro hospital, mas o ponto é, e se alguma coisa acontece no parto em casa, você não irá se perguntar pro resto da vida: e se?

É nesse ponto que eu acho que nós brasileiros somos muito diferentes deles aqui, talvez mais emocionais. A maioria de nós passaria uma vida, não sofrendo propriamente, mas se perguntando se você poderia ter feito alguma coisa melhor. Eles são mais fatalistas, havia um problema, o bebê morreu, estando em casa ou num hospital o resultado seria o mesmo. E a gente se perguntaria, seria mesmo? Mas aqui, algum burocrata no governo, provavelmente comparando as despesas de um parto em casa com um em hospital, colocou umas estatísticas num papel, encomendou uns números, e vendeu a idéia de que é melhor você ficar em casa e economizar 125 ml de gasolina do que ter toda a estrutura de um hospital apoiando você e seu filho na hora do parto. E como o que importa é a estatística ( verdadeira ou encomendada, afinal quem vai saber? ), rumbora parir na cama Ikea com lençol de plástico.

Aliás, medicina aqui não faz parte do rol das ciências biológicas, é ciência exata. A cumadre médica outro dia me falava, explicando porque aqui se faz exame ginecológico só uma vez a cada 5 anos e não a cada ano como no Brasil ( e EUA ), que estatisticamente os exames anuais aumentam muito pouco as chances de se pegar um câncer no começo, então que é um desperdício de dinheiro testar anualmente milhões de mulheres, pra diagnosticar só algumas. E me dá raiva, primeiro porque eu não acredito nessa estatística, segundo porque mesmo que seja apenas 1% que se salva porque todo mundo foi testado ( e milhões gastos ), pode ser que eu, minha mãe, sobrinha, tias, estejamos nesse 1%. Eu não sou número, eu sou gente.

Mas dizer tudo isso só ía nos levar àquela velha discussão que sempre acaba com o argumento de que o sistema não é perfeito, mas saúde pública perfeita para 100% da população é utopia.

Então eu sorri e calei.


10 comentários:

Daniela Santos-Hansen disse...

Deus me livre ter filho em casa... minha avó teve os 4 em casa, mas só a última a nascer foi acompanhada por um médico que foi assistir o parto. Ok, minha avó ainda vive, tem 92 anos, mas eu acho que ela é exceção. Minha mãe tem menos idade e que ela e menos saúde também.

Eu só teria filho em casa como vc falou, se fosse um acidente, se não desse para chegar ao hospital..

Qto ao exame ginecológico, como assim eles só fazem o preventivo de 5 em 5 anos?! Que maluquice.. minha irmã gêmea morreu de canêr pq a linda médica dela, apesar de fazer todo ano o preventivo, após minha irmã fazer 30 anos não incluía pedido para as ultras e com isso não detectou a tempo o câncer no ovário que metastou para outros órgãos e matou minha irmã há dois anos.

O próprio oncologista disse, isso está aí há dois anos pelo menos, essa médica nunca viu nada numa ultra?? Não doutor.. ela esqueceu de pedir para fazer o exame.

Pois é..

Mama disse...

Aaah caiu como uma luva...
Amanha tenho ginecologista (fiquei de maio ate setembro para conseguir uma carta do huisarts p/ ir no ginecologista).Carta na mao, esperei ate novembro p/ primeira consulta, finalmente amanha vou saber o resultado dos exames...
Engravidei de gemeos quando morava na Guatemala, o atendimento la qd se tem dinheiro eh OTIMO,com 4 meses de gestacao nos mudamos p/ o Peru, onde meus pimpolhos nasceram,tbm prematuros, mas o atendimento foi MARAVILHOSO de toda equipe...
Qd digo q o atendimento q recebi nestes paises DE TERCEIO/QUARTO MUNDO foi mto melhor do que eu recebo aqui, quem cala sao os holandeses...
Tudo bem que nestes paises nem todos tem acesso ao mesmo atendimento, mas no minimo quem paga tem ATENDIMENTO, e aqui, pagamos uma"fortuna", e o atendimento/mentalidade deixa mto a desejar...

Renata disse...

Eu acho o sistema de saude holandes uma coisa da idade media. Pra comecar a gente paga um dinheirao de seguro saude, mas nao pode nem sequer chegar perto de um especialista! Tem que ir no "medico da familia", que so receita paracetamol. E o parto, que soh pode ser normal e sem aquela injecao que tira a dor? Eu acho o fim da picada e toda hora fico inconformada. Minha colega russa e uma amiga mexicana tambem nao se conformam com esse sistema aqui! Entao nao somos so nos brasileiras! Mas o que fazer se os holandese acham tudo isso normal?

Patricia disse...

O que? Não pode ter peridural aí na Holanda??

Mary disse...

Caraca, parir em casa a grito! Sério mesmo?!?!!?

Adriana disse...

Pode parecer piada de mau gosto, mas a gente já pode até ficar felizinha aqui, pois desde o ano passado ( 2009!!! ) a mulher tem o direito de, se escolher por parto no hospital, pedir para tomar peridural ( epidural ). Dizem que eles ainda inventam motivos pra não dar a tal anestesia, se fosse eu eu já escreveria no tal dossiê pre-natal que se não me derem a anestesia eu processo o hospital. Bjs

Patricia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Patricia disse...

Minha cunhada teve os 3 filhos no hospital na Bélgica, mas os caras são tão incompetentes que descobriram na hora do parto que a cabeça do garoto era grande demais para passar...e fizeram um bom estrago por conta disso. Pelo menos sei que quase todo mundo opta pela anestesia, nem tudo está perdido :)

Barbara disse...

Aqui na Inglaterra eh igualzinho: eles fazem a conta, calculam gastos e mortes, e decidem o melhor custo beneficio. Eh esquisito mesmo, mas qual a alternativa? (eu sei: melhorar a administracao do dinheiro para sobrar mais - mas enfim, let's not go there).

Voce cita Brasil e EUA, mas nos EUA nem sistema de saude existe, e no Brasil a gente (classe media) paga pelo servico, entao nao da para comparar uma coisa com a outra, infelizmente.

PS: eu tambem acho parto em casa uma ideia muito estranha. Sim, eles levam pro hospital, mas falta de oxigenio no cerebro eh coisa que faz estrago em 2 minutos... Mas eu devo pensar isso porque sou brasileria [/ironia], as inglesas nao pensam assim.

Barbara - www.baxt.net/blog

Patricia disse...

Mesmo tendo morado por quase três anos nos Estados Unidos a minha experiência com o sistema médico daqui é mínima, felizmente minha saúde vai muito bem, obrigada. Mas que eu saiba mesmo tendo plano de saúde, as companhias de seguro são experts em recusar tratamento (esta história de recusar pacientes com pre-condition é o FIM!!! Vai mudar com a reforma do sistema, mas ainda assim está longe de ser ideal). Confiar em médico, jamais! Bjs