quinta-feira, janeiro 20

Tenho que


Eu tenho que acordar cedo pra vir trabalhar. Tenho que ralar muito o dia inteiro. Tenho que dar uma maneirada na hora do almoço e não atacar os donuts que vendem na cantina da empresa por míseros 70 centavos. Tenho que sair num horário razoável porque eu tenho que fazer o jantar. Tenho que dar uma arrumadinha na cozinha, tenho que dar comida pros piolhinhos e tenho que limpar o banheirinho deles ( odeio ). Tenho que ir dormir num horário razoável pra acordar cedo no dia seguinte.

Nesse meu dia de "tenho que" há pouquíssimo espaço pra fazer o que eu quero, o não o que eu tenho que, e uma das coisas que eu faço puramente porque eu GOSTO, porque eu QUERO, é ir pra cama uma horinha mais cedo, com meu tchutchuco e ler antes de dormir. Naquela horinha eu desligo do Fornecedor Bocarra, eu desligo do fogão que precisa ser limpo, eu desligo do Véio Chato que está doente me deixando com buracos pra tapar…

Desde os 14 anos eu leio em inglês. Comecei porque naquela idade eu gostava de Danielle Steel e houve uma liquidação na Siciliano de Pocket Books e eu comprei uns 10 por mixaria. Danielle Steel escreve pras donas de casa semi-analfabetas americanas, por isso, mesmo aos 14 anos, eu já conseguia ler. E depois disso, continuei lendo em inglês, visto que os livros eram mais baratos que os brasileiros. Eu adoro ler em inglês, adoro o som das palavras na minha cabeça, adoro os nomes, adoro os nomes dos lugares ( amo "Chesterfield", e que tal "Lake Tahoe"? ), ler em inglês dobra o prazer da leitura pra mim!

Jantando com as comadres, uma delas fala: mas você devia ler em holandês pra praticar. E taí, a última coisa que eu ainda fazia por prazer no dia, virou obrigação, eu TENHO QUE ler em holandês pra praticar. Na hora já disse "não, muito obrigada", mas estou limpando um armário, jogando fora os últimos livros de papel, e esbarrei num Danielle Steel em holandês, ainda embalado. Com o coração aberto pensei: vamos tentar de novo.

Gente, que castigo. Não tem a ver com a habilidade de ler em holandês, porque praquele livro meu nível de holandês é mais que suficiente. O vocabulário é muito fácil, as sentenças curtas, o assunto bobinho, mas gente do céu, que língua horrorosa.

Começa já no nome do livro. Em inglês, The Gift, olha que sonoro, de guífiti. Em holandês: het geschenk - êt res-rrenk. E a horrorozice do idioma só piora. Uma das piores coisas é que os nomes são mantidos em inglês, o que só evidencia mais a diferença entre o idioma sonoro e o idioma "estou com catarro na garganta". A mãe da criança se chama Lisbeth, eu acho lindo esse nome, mas no meio daquela sopa de palavras feias, dá vontade de chorar.

É que nem a dor de ver a coitada da CNN tentando falar do incêndio em Moerdijk. Lê-se Mur-dáiqui, ela disse mo-er-di-dji-qui. Mas não é culpa dessa coitada, como pode Moerdijk se dizer murdáiqui? É que nem o imbecil da minha rua, que teve um bebê na semana passada e o nome é Sjoerd. Agora me diga, se eu não te disser como se pronuncia essa merda, você vai ler como? Ssss-jo-er-d? Eu iria dizer assim: Sss-jo-er-d. Mas não, o correto é algo como Churd, ou um Chi-urd com um i bem fraquinho.

Pensei em baixar então um livro holandês da gema, uma das comadres lê muito Saskia Noort, mas quem diz que tem essa bosta no iso-hunt? E pagar pra ler essa porcaria feia do caramba, ni muerta!

Eis que assim sigo eu, continuo lendo o "et res-rrenk" ( het geschenk ) porque eu mereço sofrer e tenho sérias tendências sadô, e porque tenho miolo mole e gosto das historinhas bestas da Danielle Steel e estou com preguiça de procurar o arquivo em inglês na internet.

E só pra constar. No site da Band tem um programa em 5 partes sobre Amsterdam, contando com a participação de brasileiros que moram aqui na Holanda. Eu só vi 3 partes até agora, mas ó, neguinho ali tá na Holanda a muito mais tempo que eu e fala um holandês 100 vezes inferior, e na TV!!!! E eu fico aqui, me esfolando de estudar holandês pra melhorar meu sotaque medonho ( fui falar "ik heb de huur betald" - eu paguei o aluguel- e saiu "ik heb de hoer betald" - eu paguei a puta ) e a mulé pergunta o que é aquela guerra, ao invés de perguntar o que é aquele relógio, na TV, pra todo mundo ver!!!!

Preciso é polir a cara de pau que Deus me deu e dane-se o povo que rir do meu sotaque.

Toch?

Agora me digam aí, cês mandam ver na língua no país onde moram mesmo que imperfeito, vocês se escangalham pra aperfeiçoar, um misto dos dois, ou desistiram de vez? Sou só eu que quero falar a língua do país novo "bonitinho"? Tô sendo crica demais?

6 comentários:

disse...

Vc não está sendo nada crica, Dri! Falar perfeitamente o idioma do seu novo país não é nada mais que uma obrigação. Pra mim é assim. Estudei 2 anos de francês e por mais que me digam que está bom, eu quero saber falar com aquele rrrr do fundo da garganta, quero conjugar perfeitamente todos os verbos e morro de vergonha quando erro alguma coisa. Sem contar que somos mais valorizados qd falamos a língua deles. Tenho pena de quem não se esforça pra aprender e fala tudo errado sem se importar com aquilo.

Eliana disse...

Sabe, eu até que estou mais de bem com a língua visto que, como você mesma descreveu, eu também me dei conta que tem gente com menos conhecimento, falando mal e se achando o máximo, sem pudor algum hahaha

Patricia disse...

Oi Dri, me matei de rir com o seu post! Maridão é belga e morei duas vezes em Bruxelas (hoje estou nos States). Quando morei na França, UK, Itália e aqui nos Estados Unidos sempre me esforcei bastante para falar a língua o melhor possível. Em Bruxelas, como 85% da população fala francês, era essa a minha língua, mas...para encontrar um emprego decente tem que ser bilingue, trilingue e falar a bosta do neerlandês. Caí fora do país e nunca mais voltarei a morar lá - traumatizei! Eu não vou aprender esta língua horrorosa e pronto! Não serve para muita coisa mesmo. Bjs

Alice disse...

Filho acha que a palavra é TENQUE. Ele diz: Não tenque coisa nenhuma, mamãe! Siga o exemplo...
E se quiser sofrer MAIS, pare de escutar música e ouça apenas e somente BNR radio. hehehehehehe
Sabe o que me deu raiva no programa: a ignorância queijal!!!!

Bubusca2 disse...

Hahaha eu moro em Bruxelas, mas não consegui aprender o holandês e como a família do meu marido é francesa eu não me esforcei muito. Felizmente consegui passar num concurso pra a UE e estou "liberada" dessa obrigação tabalhosa. Uma colega de trabalho me perguntou como eu pronunciava Paulo Coelho, porque uma amiga dela disse que Colelho era "culo" hahahaha eu ri tanto. Também penso como a Lê, que quando você fala perfeitamente o idioma do seu novo país é mais valorizado. Mas falar francês é fácil pra quem vem do Brasil. O holandês, pra mim, é missão impossível.
Boa sorte, aí !

Unknown disse...

falar inglês direitinho até que é bem fácil de pegar, mas nem me atrevo a imitar o sotaque neo-zelandês. fico com o meu sotaque ultra-mesclado mesmo hahaha.